Era uma vez uma mulher chamada Maria. A Maria teve uma gravidez desejada. Antes de sequer saber que estava grávida, já fazia uma data de testes, pois sonhava com esse dia. E foi precisamente no dia em que decidiu parar de fazê-los, que a sua mãe lhe disse que tinha engravidado. Sem querer bem acreditar, correu para a farmácia e a seguir para a casa de banho mais próxima, pois não estava em casa e confirmava-se, estava mesmo! Então, preparou-se o quarto, os cheiros já existentes a bebé, a quantidade interminável de fraldas, o despertar para uma realidade alternativa. Nunca irá esquecer quando ouviu o coração bater pela primeira vez. Um coração dentro de outro. A barriga que crescia desmedida. As formas desenhadas em si que pareciam areia movediça. Também não irá esquecer os enjoos, a prisão de ventre, e a falta de posições para dormir! Não vai esquecer a retenção de líquidos, as dores que sentia nos braços, uma espécie de moscas que via no escuro quando ainda era dia, e o elefante que sentia no peito. A Maria relatava todos esses problemas, mas a médica que a seguia não ligava. Não encontrava nada. Dizia, que era nervos, birra, stress. A verdade é que isso continuou. Entretanto, a Maria ia-se aguentado e a bebé que já se sabia que era uma rapariga! Uma rapariga, também! Era isso mesmo que queria! Comprar os detalhes, vestidos e babygrows. As mantas cor de rosa. Os produtos para o banho e própria banheira, tudo de uma fragilidade extrema, demonstrável da nossa condição, enquanto seres humanos. No entanto existia algo que não a deixava, que a assombrava. Todos os dias, a ansiedade aumentava, com o fecho e abertura de urgências. Idosos 24 horas deixados numa maca. Outros que iam para casa com indícios de AVC.
A Maria não podia pagar consultas num hospital privado. Muito menos ter a sua bebé num. E as suas sensações continuavam. O estado emergente de Maria também se alterou. Podemos dizer que mudou. Deixou de desfrutar deste momento da sua vida, não por ser difícil, mas por ser pouco seguro para si e para a sua filha.
A Maria foi das poucas grávidas que se conseguiu safar com uma pré-eclâmpsia tardia, quase a evoluir para um síndrome de Hellp. No entanto, esse episódio não saiu sem custos demasiado altos. Cuidados intensivos. Dois anos de recuperação e sonhos que se perderam lá mesmo no fundo, dentro de si, sonhos que jamais se alcançarão e uma saúde, essa sim que não se compra. Podemos dizer que se a sorte estivesse para venda ela a comprara, porque no dia que foi para as urgências do seu hospital ele estava encerrado e teve que fazer mais 50 Km até ao próximo.
Existe uma linha ténue entre viver e morrer. O que não pode existir é uma linha ténue entre estarmos na União Europeia ou sermos de facto um país de terceiro mundo. Não podem todas as grávidas ser a Maria? Ou seja, nem todas as grávidas vão ter pré-eclâmpsia! E todas as outras condições e problemas causados na gravidez? E mesmo sem eles devemos ter os nossos filhos numa esquina a caminho de uma urgência aberta?