por Nuno Cerejeira Namora
Advogado Especialista em Direito do Trabalho
Está em curso a longa campanha eleitoral para escolher o próximo Presidente da República do Brasil. Lula da Silva, renascido das cinzas, e Jair Bolsonaro, agastado por um mandato difícil, disputam o poder no maior país da América Latina. Se estivéssemos em Portugal, o aparato da comunicação social focar-se-ia essencialmente nestas duas candidaturas, cobrindo as demais apenas em aspetos triviais ou caricatos.
Esta conclusão tem apoio nos dados estatísticos que, após cada eleição, são publicados pela ERC. Olhando os dados das últimas eleições legislativas para as quais existe relatório publicado, as de 2019, confirma-se que o PS e o PSD são as formações políticas que, nos três principais canais de televisão (RTP, SIC e TVI), mais ‘presenças’ registam. Comparando apenas os partidos que, naquelas eleições, conseguiram assento parlamentar, é notório que em qualquer dos três canais quase metade das ‘presenças’ nas peças de informação e diretos pertence aos dois maiores partidos (48,9% na RTP, 47,8% na SIC e 46,9% na TVI).
Ora, se os maiores partidos são aqueles que obtêm maior visibilidade pública, é natural que sejam também eles a conseguir transmitir mais facilmente a sua perspetiva sobre o bem comum, num ciclo que se autoalimenta.
Em qualquer campanha eleitoral, uma das maiores apostas dos candidatos passa pelos debates televisivos, não só pela boa audiência que em geral recebem, como pela possibilidade de, em termos de comunicação política, se conseguir ‘esmagar’ um oponente, frequentemente mais no estilo do que no conteúdo.
Em Portugal, o modelo de debates acordado pelas televisões é francamente pobre, infértil e cansativo.
Nas legislativas deste ano, por exemplo, estavam agendados 36 debates, embora só se tenham realizado 32. Os frente-a-frente entre os líderes partidários foram distribuídos entre os canais generalistas e de cabo, não chegando, na maior parte dos casos, a durar meia hora. Exceção à regra foi o debate entre António Costa e Rui Rio, transmitido em direto e simultâneo pela 3 generalistas e com a duração de 1h18min. Além destes, somente a RTP organizou 2 debates com os vários líderes parlamentares, com e sem assento parlamentar; o primeiro durou quase 2 horas, e o segundo 1h40min.
Sem exceção, estes debates seguem o mesmo formato: um ou mais moderadores colocam questões aos candidatos, que respondem. As questões, na maior parte das vezes, são de foro político-partidário (interessam sobretudo as coligações, as tricas da campanha, a condenação dos outros partidos), quase sempre tendenciosas e opinativas, raramente se interrogando os líderes sobre o conteúdo dos seus programas eleitorais. O verdadeiro debate, no sentido de confronto de ideias entre os participantes, não é de todo incentivado (antes reprimido), certamente com receio de que resvale em peixeirada incompreensível. Esta forma de debater é muito pouco criativa, esclarecedora e informativa, dizendo mais acerca da personalidade dos intervenientes (reforçando o fenómeno da personalização da política) do que das suas propostas.
Talvez fosse prudente, em futuras eleições, experimentar formatos alternativos. Um bom exemplo, em termos de modelo, foi o debate entre os candidatos às presidenciais brasileiras, realizado no passado dia 28 de agosto. Nele participaram os 6 (de 12) candidatos mais bem colocados nas sondagens, numa transmissão organizada por vários grupos de comunicação social, com a colaboração das plataformas digitais. No total, o debate contou com umas impressionantes 2h50minutos, encontrando-se muito bem organizado em 3 rondas distintas. Ao contrário do que acontece nos EUA, o debate não teve público no estúdio, e cada candidato pôde, em caso de ‘ofensa pessoal ou moral’, pedir a palavra para a defesa de honra, o que fez em 45 segundos, mas só depois de uma comissão, constituída por dois jornalistas e um advogado, decidir concedê-la.
No primeiro bloco, cada candidato, por ordem de sorteio, teve um minuto e meio para responder a uma pergunta sobre ‘planos de governo’. Foram feitas 3 perguntas, cada uma dirigida a 2 dos candidatos. A seguir, também por ordem definida em sorteio, houve uma ronda de confronto direto, em que todos perguntaram e todos responderam. Cada candidato escolheu quem respondia à sua pergunta, tendo um minuto para a pergunta e um minuto para a réplica. O tempo de resposta e de tréplica do candidato escolhido foi de 4 minutos no total, gerido livremente pelo líder. No segundo bloco, jornalistas que integram os OCS que organizam o encontro foram chamados a colocar questões aos candidatos, podendo escolher a quem dirigir a pergunta e logo selecionando um outro candidato para comentar a resposta. Todos responderam e todos comentaram. O tempo foi de 4 minutos para a resposta e para a réplica, geridos pelo candidato, e o comentário teve um minuto. O terceiro bloco começou com mais uma ronda de confronto direto entre os candidatos. De seguida, os líderes responderam, no total, a 3 ‘perguntas programáticas’, cada pergunta direcionada a 2 candidatos. Finalmente, o debate encerrou com as considerações finais, para as quais cada líder dispôs de 2 minutos. O tempo é permanentemente exibido aos candidatos e, caso o ultrapassem, o microfone é logo desligado.
Este formato tem a virtualidade de produzir um debate mais interessante e esclarecedor, colocando as ideias em confronto direto e permitindo uma maior interação entre os candidatos, que são avaliados tanto pelas respostas, como pelas perguntas e comentários. Nada se perdia, muito pelo contrário, em tentarmos este modelo nas próximas eleições. Um bom exemplo de debate, vindo do Brasil.