Ontem uma amiga contou-me que tinha decidido deixar o trabalho que tinha. Era médica do SNS e não aguentava mais a crescente pressão e exigência. Há anos que a sentia cansada e exausta sem tempo para nada nem para ninguém. Trabalhava de forma desumana e o marido, que acumula várias funções como enfermeiro, igual.
É preciso alguma audácia para dar um passo assim, sobretudo quando se tem uma família para sustentar. Embora alguns trabalhos efetivos sejam penosos e exaustivos, oferecem segurança e não é fácil abrir mão dela e dar um salto no escuro.
Sinto várias pessoas cansadas e saturadas a empurrar a vida com a barriga, que acumulam planos a longo prazo, para quando nem sabem se ainda cá vão estar. Planos que não implicam a menor mudança no imediato, em que idealizam num futuro longínquo aquilo que não conseguem fazer agora: um dia vamos trabalhar menos ou vamos trabalhar naquilo de que gostamos realmente ou que só descobrimos agora que gostamos, vamos fazer uma série de coisas que queremos tanto e andamos a adiar, vamos ser melhores pais, mais disponíveis e mais presentes, vamos voltar a estar mais com os nossos amigos e a nossa família… O problema é que não sabemos onde vamos estar nesse momento, nem como, ou sequer se vamos estar ou se vamos continuar a desejar o mesmo que desejamos agora. Mas sabemos onde estamos e o que queremos e é por isso que devemos lutar no momento pelo que nos faz feliz, pelo que nos faz sentido e pelo que nos faz falta.
Não há nada marcado do outro lado à nossa espera e a diferença só pode ser feita por nós, agora, no dia a dia, no imediato.
Aquilo a que tenho assistido é que a mudança é tão difícil que a maioria das pessoas que estão nestas situações-limite só conseguem mudar se ficarem desempregadas e forem obrigadas a procurar outras soluções, se entrarem em burnout ou se forem surpreendidas por um problema ainda mais sério de saúde. Neste caso apercebem-se da sua finitude, dos seus limites, e sentem a urgência de mudar, de agarrar o tempo, de o aproveitar e levar dele o máximo e o melhor que conseguirem. Nestes casos muitas vezes a mudança é mesmo radical.
Os dias vão discorrendo, a vida vai passando, os objetivos vão mudando e os sonhos vão morrendo. Um dia seremos nós com eles. Quais é que vamos realizar? Quais podemos dizer que conseguimos alcançar? E de quais é que vamos desistir?
É preciso alguma audácia, alguma ousadia, alguma coragem. É preciso também alguma imaginação e criatividade. E também ponderação e responsabilidade, claro. Mas que não se tornem imobilizantes. Que não lhes vivamos subjugados, que não sejamos reféns da responsabilidade quando nos torna tão cegos que não nos deixa ver com clareza aquilo que queremos mesmo e o que não queremos de forma alguma. Aquilo que podemos arriscar, aquilo que desejamos e aquilo de que não podemos mesmo abrir mão.
O tempo está a passar e os nossos sonhos com ele. Não é só durante o sono que se sonha, os sonhos importantes passam-se durante o dia, quando os podemos comandar e lutar por eles, quando eles se podem tornar realidade. Qual é o seu sonho acordado?