Um dia destes, uma educadora contava-me como tinha ficado perplexa quando duas adolescentes entraram no café onde estava e, depois de perguntarem ao empregado as horas e este ter apontado para o relógio de ponteiros que estava na parede, não conseguiram perceber que horas eram.
Se por um lado a maioria das crianças sabe mexer em telemóveis ou tablets quando ainda mal sabem falar, começa a notar-se que as mesmas crianças tão despachadas para as tecnologias adquirem cada vez menos aprendizagens básicas e essenciais como, por exemplo, atar os atacadores dos sapatos.
Parte do ónus não pode deixar de ser atribuído a esses mesmos aparelhos que algumas pessoas pensam que fazem dos mais novos pequenos génios. É verdade que as crianças parecem nascer já ensinadas para mexer em ecrãs, embora também seja verdade que a maioria dos ecrãs são muito fáceis de manusear e bastante intuitivos. Embora estas tecnologias possam trazer vantagens, também acabam por ser prejudiciais. Se temos um telemóvel que nos dá facilmente toda a informação de que necessitamos, para quê perder tempo a tentar adquiri-la? Por outro lado, se passarmos demasiadas horas por dia – como muitas crianças e jovens fazem – em frente a um ecrã, necessariamente o tempo (e vontade) de adquirir outras competências, de ganhar destreza física e mental, de ter outros interesses ou de explorar outras realidades será menor.
Mas as tecnologias não são o único responsável por algumas lacunas no desenvolvimento dos mais novos. A verdade é que a maioria das crianças acaba por ser privada – com a melhor das intenções por parte dos pais – de uma maior liberdade e autonomia. São cada vez mais protegidas, mais apaparicadas e têm uma vida cada vez mais facilitada, o que infelizmente as torna também mais dependentes e incapazes.
Basta passarmos numa escola secundária no início ou final das aulas para vermos as enormes filas de carros e proporcionalmente o diminuto número de jovens que entram ou saem a pé sozinhos. É verdade que uma sociedade cheia de carros como a nossa também se torna mais insegura e não promove a independência dos mais novos, mas o medo e comodismo não ajudam.
O que se vê é que muitas crianças só demasiado tarde são ensinadas e incentivadas a fazer algumas coisas simples como comer sozinhas, escolher a sua roupa, atar os atacadores, tomar banho sem ajuda ou preparar a sua mochila. Embora a longo prazo o facto de realizarem estas tarefas sozinhas possa libertar bastante os pais, ensiná-las cedo leva a um dispêndio de tempo e de paciência que nem sempre existe.
Mas não é só nos aspetos práticos que isto acontece. Em muitos casos, até para resolver os seus problemas os jovens são cada vez menos autónomos. Quantos pais solucionam os problemas dos filhos ou interferem na resolução de conflitos com os pares falando diretamente com os pais destes ou com a escola?
Naturalmente todos queremos o melhor para nossos filhos, mas ao ajudá-los e protegê-los demasiado acabamos por os impedir de explorarem, ganharem competências, viverem e se desenvolverem tanto como poderiam. Ajudar é diferente de fazer pelo outro, proteger é diferente de não deixar correr riscos, amar também é promover a autonomia, ensinar a fazer sozinho, deixar explorar, com um apoio de retaguarda, muitas vezes invisível, mas sempre presente, para que tenham coragem e vontade de enfrentar e descobrir o mundo, para arriscar e para que um dia se sintam preparados, confiantes e seguros para o fazerem realmente sem nós.