Por mais que as sondagens apontem uma vantagem enorme de Inácio Lula da Silva, com 47% das intenções de voto, segundo sondagens do Datafolha, os brasileiros preparam-se para ir às urnas com todos os cenários em cima da mesa, já este domingo.
Nem a manutenção da democracia no Brasil é dada como certa, havendo receios de que Jair Bolsonaro – que está 14 pontos atrás do antigo Presidente nas sondagens – não aceite os resultados eleitorais e desencadeie uma tentativa de golpe, semelhante ao sucedido nos Estados Unidos após a derrota do seu amigo Donald Trump.
“Falta um tiquinho, só um tiquinho” para que Bolsonaro seja derrotado logo na primeira volta das presidenciais, apelou Lula, que se desdobra em comícios e eventos de campanha. No entanto, talvez o “tiquinho” seja maior do que parece. É que, se o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) está a dois pontos da maioria que precisa, dentro da margem de erro das sondagens, muito será decidido pela mobilização das suas bases de apoio. E, no que toca a isso, Bolsonaro pode ter alguma vantagem.
Demograficamente, os bastiões do Presidente são os evangélicos – conhecidos pelos seus baixos níveis de abstenção, dado serem muito galvanizados por assuntos como a proibição do aborto e guerra às drogas – e os mais ricos. Entre os brasileiros que ganham mais de cinco vezes o salário mínimo o seu apoio sobe para 47%, segundo sondagens do Ipec.
Já Lula conta com grande apoio entre as parcelas mais pobres e com menos escolaridade do Brasil. Só tem 34% de intenções de voto entre os eleitores com o ensino superior completo, passando para os 55% entre aqueles com o ensino básico, apontou o cientista político Jairo Nicolau, citado pela BBC Brasil. E as estatísticas mostram que a taxa de participação eleitoral diminuiu consoante mais baixa a escolaridade, sendo que no Brasil o voto até é obrigatório para todos menos para analfabetos.
A questão é que, se desta vez o perfil dos abstenção for semelhante ao das presidenciais anteriores, em 2018, isso pode “desfavorecer o Lula, uma vez que o perfil dessa abstenção é próximo do perfil dos eleitores dele”, acrescentou a diretora do Datafolha, Luciana Chong.
A incógnita de Ciro Mesmo que Lula da Silva não vença na primeira volta das presidenciais, as sondagens indicam que terá uma vida relativamente descansada na segunda. Aí a sua vantagem ainda se aprofunda mais, ficando com 54% das intenções de voto, enquanto Jair Bolsonaro não sobe muito, ficando-se apenas pelos 35%, segundo sondagens do Ipec.
No entanto, um fator que poderia marcar diferença seria o posicionamento de Ciro Gomes, que se prevê ficar em terceiro lugar este domingo. O candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que conta 7% das intenções de voto, segundo o Datafolha, tem escalado os seus ataques a Lula ao longo dos últimos dias, chegando a declarar que os apelos ao voto útil do antigo Presidente são “fascismo de esquerda” e que este pretende com isso “aniquilar alternativas”.
Nas últimas presidenciais, em 2018, Ciro ficou em terceiro lugar. E aí o antigo governador do Ceará recusou apoiar na sua volta tanto Bolsonaro como o seu rival, Fernando Haddad, que substituíra Lula como candidato do PT após a detenção deste, acusado de corrupção no âmbito da operação Lava Jato.
Desta vez – apesar de Ciro ter pretendido articular uma oposição de centro-esquerda durante o mandato de Bolsonaro, sendo acusado de hipocrisia por ter recusado apelar ao voto contra este em 2018 – a posição do candidato do PDT é alvo de especulação. Este aposta em “acenos à direita”, escreveu a Folha de S. Paulo, sendo dado como quase certo que não apoiará Lula numa eventual segunda ronda.
Na prática, pode ser um tiro no pé, explicou Marco Antonio Teixeira, cientista político da Fundação Getulio Vargas, ao jornal brasileiro. É que Ciro “critica toda a trajetória do Governo Lula sem lembrar que ele foi ministro, que ele fez parte desse Governo também”.
Isso talvez possa marcar a diferença para Lula vencer na primeira volta. Se as bases demográficas do petista tendem mais para a abstenção, os apoiantes de Ciro estão particularmente desmoralizados, à semelhança dos de Simone Tebet, que tem 5% das intenções de voto. 34% dos eleitores do terceiro candidato não têm “vontade nenhuma” de ir às urnas, segundo o Datafolha, chegando aos 40% entre os apoiantes da candidata do Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
“O baixo compromisso de eleitores de Ciro e Simone pode ser favorável ao ex-Presidente”, avaliou Bruno Boghossian, na sua coluna na Folha de S. Paulo. “Se parte não aparecer a votar, o número de votos válidos que Lula precisa para vencer no primeiro turno fica menor”.
Diferentes legados Se o Presidente brasileiro conta com apoio fiel entre uma minoria dos brasileiros, também é desprezado por boa parte deles, sendo que 42% dos eleitores consideram a prestação do Governo de Bolsonaro como “péssima” ou “ruim”, segundo o Datafolha. A impopularidade consolidou-se com acusações de má gestão da pandemia ou de apoios à destruição da floresta amazónica.
Já Lula, que ao fim de oito anos à frente do Brasil conseguiu tirar milhões da pobreza, reduzindo-a em mais de 50%, segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas, citado pelo Globo, saiu do Governo com uma taxa de popularidade quase a bater nos 90%, em 2011, mostram as sondagens do Ibope. E conseguiu sempre manter parte desse apoio, apesar dos seus confrontos com a justiça brasileira.
É em parte por isso, mas também pela rejeição a Bolsonaro, que Lula – em tempos apontado como grande esperança da esquerda internacional, encabeçando a chamada “maré rosa” na América Latina, na década de 2000 – tem recebido o apoio de uma chuva de estrelas. aparecendo em comícios com nomes tão ilustres quanto Caetano Veloso ou Daniela Mercury, algo que poderá servir para mobilizar os mais hesitantes. Até teve apoios de renome internacional, incluindo Roger Waters, um fundador dos Pink Floyd que apelidou Bolsonaro de “porco fascista”, bem como dos atores e Mark Ruffalo e Danny Glover.
Caso Lula saia vencedor das eleições, como indicam as sondagens, terá nas mãos um país profundamente dividido, com uma minoria bolsonarista com elevadas taxas de porte de arma. Tem tudo para o seu mandato correr muito, muito mal.
“O Brasil está polarizado e radicalizado como nunca se viu antes. Por causa disso, se Lula tentar virar demasiado para a esquerda, isso vai causar uma ainda maior polarização”, avisou Guilherme Cesarões, cientista político de fundação Getúlio Vargas, à Al Jazera. “E definitivamente não é isso que Lula quer”.