Entre 1978 e 1991, assassinou 17 jovens, maioritariamente negros e gays, da forma mais maquiavélica, perversa e aterrorizadora possível. Seduzia-os na discoteca e depois de várias horas de conversa e dança, levava-os para sua casa – num bairro pobre maioritariamente ocupado pela comunidade negra –, com a promessa de lhes pagar depois de servirem de modelo para algumas fotografias analógicas, mas onde, na verdade, os drogava, torturava e matava. Perfurar crânios, comer corações, ter relações sexuais com os corpos já mortos… “Tirava as fotografias para ficar com a imagem deles depois de os matar. Queria guardá-los de alguma maneira. Queria poder continuar a apreciar a sua beleza. Como não podia ficar com os corpos, queria ao menos ficar com os esqueletos. A dada altura estava a planear construir um altar com dez crânios”, explicava numa das várias entrevistas que cedeu depois de em 1991 ter sido apanhado.
Jeffrey Dahmer, um dos serial killers mais famosos dos EUA, não deixou nenhum pormenor dos seus homicídios por contar e agora, 28 anos depois de ser morto na prisão, a sua história volta a ser relatada ao mais íntimo detalhe, desta vez pela plataforma de streaming, Netflix.
A série, intitulada Dahmer – Monstro: A História de Jeffrey Dahmer, estreou no dia 21 de setembro e se por um lado tem assustado, enojado e traumatizado alguns – há relatos de espetadores que não conseguiram ver a série até ao fim –, tem, por outro lado, fascinado aqueles que admiram produções de true crimes – principalmente pela prestação de Evan Peters, que deu vida a Dahmer, considerada “brilhante”. Para alguns críticos esta é mesmo uma das produções sobre serial killers mais bem feitas da sétima arte. Talvez seja por isso que nove dias depois do seu lançamento, já contava com mais horas de visualização do que a série de sucesso sul-coreana Squid Game, que estreou o ano passado. Transformou-se, por isso, na série do serviço de streaming com a maior audiência de sempre na semana de estreia.
Crimes hediondos Dahmer sempre soube que os atos que cometia eram “errados”. Contudo, segundo o mesmo, “depois de começar, não conseguiu parar”. A sua primeira vítima foi Steven Hicks, de 18 anos. Segundo o serial killer, o homicídio não estava planeado. O seu objetivo seria levá-lo para casa para apenas ter total controlo e domínio no jovem durante o sexo. As coisas acabaram por tomar outras proporções e Jeffrey viria a estrangulá-lo com uma barra, a desmembrá-lo de seguida e a esconder as partes do seu corpo num cano. Depois de ter sofrido problemas na Universidade para onde o pai o enviou, após perceber que o filho tinha alguns problemas de sociabilização e de ter notado alguns pormenores estranhos no seu comportamento, Dahmer foi enviado para o Exército. Lá acabou por ingressar no departamento de saúde – visto ser obcecado pelo corpo humano em geral e em particular pelo seu interior –, mas mais uma vez, as coisas correram mal, acabando por ser expulso por drogar um colega.
O pesadelo continuou quando se mudou para Milwaukee, em 1981, e começou a ler pornografia, o que “foi uma alavanca para começar a frequentar discotecas gays”. Numa dessas noites, conheceu um rapaz, que acabou por levar para o Ambassador Hotel. O seu objetivo, segundo o mesmo, era apenas drogá-lo e passar a noite. “Não tinha intenções de magoá-lo, mas quando acordei de manhã, ele tinha uma costela partida, estava espancado em cima da cama. Aparentemente matei-o espancando-o com os punhos”, revelou numa entrevista em 1993. Dahmer garantiu que não se lembrava de como aconteceu, mas que esse foi o começo de tudo. Guardou o corpo numa mala e levou-o até a casa da avó, para onde se mudou temporariamente, depois de regressar do Exército. Lá, cortou o corpo em pedaços e coloco-os em sacos de plástico. Interrogado sobre aquilo que sentia depois de cometer os crimes, Jeffrey admitiu que era “viciante”.
Depois de uma série de outros crimes que aconteciam já na cave da sua avó paterna – durante a noite –, Dahmer conseguiu alugar um pequeno T1 num bairro onde as rendas eram mais acessíveis. Os problemas com a matriarca da família nasceram depois do cheiro dos corpos começar a invadir toda a casa. A dada altura, a senhora percebeu que alguma coisa estranha se passava. Era frequente acordar a meio da noite e ouvir vozes. Numa dessas vezes encontrou um jovem drogado no cadeirão da sua sala, confrontando o neto. Este respondeu-lhe que estava a ajudá-lo, pois tinha bebido muito. A discussão foi acesa, mas a avó conseguiu passar a noite perto do jovem e obrigar o neto a levá-lo ao hospital. Uma queixa foi realizada, a polícia deslocou-se à casa interrogando Jeffrey, mas a sua palavra prevaleceu sobre a do jovem. “Somos gays, estávamos os dois bêbados e drogados, estava só a tentar ajudar”, respondeu quando confrontado.
Um dos pontos mais marcados da série passa precisamente pela escolha das suas vítimas e a forma como o seu desaparecimento ou denúncia acabava por ser menosprezado. Para muitos, o sentimento ao final de cada episódio é de revolta com o racismo e a homofobia das autoridades, que ignoraram as denúncias e evidências de que este era culpado. Durante o tempo todo, Glenda Cleveland, interpretada pela atriz Niecy Nash, soube que alguma coisa de muito macabra se passava na casa do seu vizinho do lado. Sentia um cheiro forte, ouvia gritos, sons de moto-serras ou grandes facas, mas todas as vezes que ligava para a polícia ou que esta se deslocou ao prédio nada acontecia. Os polícias que responderam a uma dessas ocorrências por parte da vizinha que encontrou um rapaz asiático de 14 anos nu e inconsciente na rua, e que ignoraram as evidências de que Dahmer lhe estaria a fazer mal, acabaram por ser suspensos das suas funções durante vários anos.
Morto na prisão Dahmer acabaria por ser preso, dois meses depois, após uma das suas vítimas conseguir fugir do apartamento. Em julho de 1991, Tracy Edwards foi encontrado a vaguear pelas ruas com as algemas penduradas num dos pulsos. Edwards encaminhou a polícia até ao apartamento, onde foram encontradas fotografias perturbadoras que Dahmer tinha tirado às suas vítimas. De acordo com o The New York Times, na altura, quando a polícia revistou o apartamento de Dahmer, foram descobertas várias provas dos crimes: clorofórmio, (usado para drogar as vítimas), um barril de ácido para dissolver os corpos dos homens, preservando partes do esqueleto, facas, partes do corpo desmembradas e mais fotografias dos corpos das vítimas.
Na produção é possível perceber que a infância e adolescência de Dahmer foram marcadas pela luta da mãe contra a depressão e pela ausência do pai. Na adolescência, o jovem começou a fantasiar sobre assassinato, necrofilia e dissecação, prática que aprendeu também através de conversas científicas com o pai, que era químico. O serial killer acabaria por ser morto por um dos seus colegas de prisão, três anos depois de ter sido apanhado.
Incomodado com os crimes cometidos por Jeffrey Dahmer — que chegou a admitir ter comido a carne de algumas das suas vítimas —, Christopher Scarver guardava um artigo de jornal no bolso sobre os seus homicídios. Um dia, os dois viram-se a limpar os balneários do ginásio, sem algemas e sem estarem a ser controlados por guardas prisionais e Scarver acabou por pegar numa barra de metal e confrontou Dahmer acerca dos seus crimes. “Perguntei-lhe se tinha feito aquelas coisas, porque estava mesmo enojado. Ele ficou em choque, começou à procura da porta rapidamente, mas bloqueei-o”, disse Scarver na entrevista ao New York Post. “Acabou morto”. Na mesma conversa, o recluso na altura com 45 anos, revelou também que nunca interagiu com Dahmer e que mantinha distância deste, já que não queria tornar-se um alvo.
O trauma das famílias Desde a sua estreia que a plataforma de streaming tem sido acusada de “retraumatizar os familiares”. Numa das cenas da série, a irmã mais velha de Lindsey confronta o assassino na sala do tribunal, numa reencenação que replica, até ao mais pequeno detalhe, o confronto original. Lindsey foi estrangulado por Dahmer, que tinha como objetivo manter a vítima num estado zombie. Para isso, usou um berbequim para lhe perfurar o crânio, no qual introduziu ácido clorídrico. “Não quero dizer a ninguém o que devem ou não ver. Sei que toda a gente quer ver as produções de crime real, mas se têm realmente curiosidade sobre as vítimas, posso dizer que a minha família, os Isbells, estão irritadíssimos com esta série”, revelou o membro da família no Twitter. “É retraumatizante. Com que objetivo? De quantos mais filmes e documentários precisamos?”, interrogou. “Voltar a mostrar a minha prima a ter uma quebra emocional na sala do tribunal, perante o homem que torturou e assassinou o seu irmão, é uma loucura”, explicou. “Não, claro que não vou ver a série. A minha família não está nada satisfeita”, lamentou. Apesar disso, a Netflix prepara-se já para lançar, a 7 de outubro, mais uma produção sobre Jeffrey Dahmer. Em Conversas com um Assassino: As Gravações de Jeffrey Dahmer. Desta vez, os crimes são revisitados com base em imagens e entrevistas reais, numa minissérie documental dividida em três episódios.