Rovanperä é de outro mundo

Kalle Rovanperä começou a conduzir aos seis anos e aos 22 sagrou-se campeão do mundo de ralis. Na história do desporto automóvel nunca houve um campeão tão precoce. 

Por João Sena

O campeonato do mundo entrou numa nova era com os carros híbridos e um jovem piloto parece estar sempre ligado à corrente. Um dia depois de comemorar o 22.º aniversário, Kalle Rovanperä continuava em festa: tinha vencido o Rali da Nova Zelândia e era o melhor do mundo! O finlandês tornou-se o mais jovem campeão de sempre e reescreveu a história dos ralis batendo o recorde do espetacular Colin McRae, campeão do mundo em 1995, com 27 anos. 

Rovanperä viajou até ao outro lado do Mundo para ganhar o sexto rali esta época e garantir o título mundial. O jovem mergulhou no desconhecido – ao contrário dos adversários nunca tinha disputado o Rali da Nova Zelândia – e impôs um ritmo endiabrado ao Toyota. Aguentou a pressão dos rivais e superiorizou-se de forma clara aos anteriores campeões do mundo Sébastien Ogier e Ott Tänak. O francês foi claro sobre o que tinha acontecido: «Podemos falar numa passagem de testemunho». «Com a sua idade e potencial pode conquistar muitos títulos», afirmou o piloto que foi 8 vezes campeão do mundo.

A relação entre Rovanperä e o Yaris WRC tornou-se ainda mais “escaldante” este ano. O piloto tem sido extremamente rápido, mas nem sempre andou por bons caminhos; as duas provas anteriores terminaram com dois despistes e zero pontos para o campeonato. Apesar da frieza nórdica, Rovanperä ficou um pouco abatido. Para evitar nova desilusão, o miúdo fez os trabalhos de casa e preparou o rali ao detalhe: «Vi todos os vídeos possíveis para perceber como eram as estradas e compreender o que tinha de fazer». Em resultado disso, fez uma condução magistral e ninguém lhe pôs a vista em cima ao longo do fim de semana passado na Oceânia. «O sentimento é de grande alívio. O início do campeonato foi muito bom, depois tive alguns ralis difíceis e agora, finalmente, consegui o título. Estou feliz até porque há muito tempo que a Finlândia não tinha um campeão do mundo. Quero agradecer à equipa que construiu um carro muito rápido e fiável, isso permitiu-me andar sempre no máximo. Nos momentos mais difíceis acreditaram em mim e apoiaram-me. Estou também orgulhoso com o trabalho do meu copiloto, Jonne Halttunen. Temos a mesma mentalidade, o que facilita. Sabemos quando devemos pressionar e quando devemos manter a calma. Ele é muito bom, isso faz a diferença. Ser campeão do mundo é o objetivo de qualquer piloto, e conseguir isso aos 22 anos é especial», reconheceu o finlandês que tirou tudo do Yaris WRC, deixando a sua marca ganhadora em ralis de asfalto, de neve e terra. 

Ott Tänak (Hyundai) tem sido o principal adversário este ano, e, no final, reconheceu: «O Kalle foi regularmente mais rápido do que nós, nada a dizer, parabéns pelo título». Foi o tetracampeão do mundo de ralis Tommi Makinen que desviou o talentoso finlandês para a Toyota, uma aposta acertada. «A sua condução é impressionante. Apesar de ser jovem analisa todas as situações de forma correta e dá um feedback perfeito do carro, tem a maturidade de um adulto». 

Rovanperä é um piloto especial e demonstrou que pode prolongar o seu reinado por muitos e longos anos. Além da incrível habilidade ao volante, revela grande maturidade e inteligência como ficou demonstrado na Nova Zelândia, onde ganhou de forma convincente depois de encaixar três derrotas consecutivas nos ralis anteriores.

Menino prodígio 

Rosto de miúdo, olhos azuis brilhantes e sinais de acne próprio da idade, Kalle Rovanperä acelera como gente grande nas estradas mais difíceis do Mundo. É assim desde muito novo. O facto do seu pai, Harri Rovanperä, ter disputado o mundial de ralis, entre 2003 e 2006, despertou em Kalle o bichinho pelos automóveis. «Foi o meu primeiro professor. Ensinou-me que um carro tem volante, acelerador e embraiagem, e depois disse-me para avançar», recordou. Já o pai Harri disse com sentido de humor que «a água com que Kalle foi batizado devia ter gasolina». 

Aos seis anos conduzia quads e buggys, e aos oito dominava com uma habilidade inata um Toyota Starlet adaptado, pois não chegava aos pedais, e tinha pela frente um volante quase tão grande quanto o seu tronco. Nas escorregadias estradas de neve próximas da sua casa, na Finlândia, brindava os amigos com derrapagens controladas a alta velocidade dignas de um profissional (os vídeos no Youtube tornaram-se virais), e os mais atentos logo disseram que estava ali a nova estrela dos ralis. Qualquer jovem da sua idade estaria a jogar à bola ou agarrado à consola de videojogos, mas Rovanperä não é uma pessoa comum e preferia a adrenalina de «dar gás» sem medo. A título de comparação, Sébastien Ogier só descobriu os ralis aos 22 anos. 

Três anos mais tarde, surpreendeu a imprensa especializada dando um recital de condução na neve ao volante de um Subaru Impreza que pertencia ao ex-campeão do mundo Juha Kankkunen. Para conseguir ver a estrada tinha de colocar uma almofada no banco ao mesmo tempo que dizia a quem o acompanhava que tinha chegado aos 210 km/h em reta e que era fundamental estar concentrado na condução e manter a cabeça fria, isto vindo de um miúdo de 11 anos… 

Aos 15 anos, estreou-se em provas oficiais no campeonato júnior da Letónia com o Citroën C2 R2, e foi campeão no primeiro ano. Como era muito jovem e não tinha carta de condução só podia conduzir nas classificativas, nas estradas públicas era o copiloto que estava ao volante. Os bons resultados garantiram a entrada no restrito grupo de pilotos apoiados pela Red Bull, e por onde passou também com a mesma idade o atual campeão do mundo de Fórmula 1, Max Verstappen.

Desafio mundial

Em 2017, um dia depois de fazer 17 anos, pediu uma autorização especial para tirar a carta de condução e, assim, poder disputar um rali do campeonato do mundo. Não precisou de acelerar, bastou sentar-se ao volante, conduzir normalmente e mostrar que sabia as regras de trânsito, algo completamente diferente do que estava habituado. «Senti um pouco de pressão, a minha participação no Rali do País de Gales dependia de eu tirar a carta de condução», disse na altura. Depois de encartado, estreou-se no mundial, mas desistiu com uma avaria no Ford Fiesta R5. 

Em 2019, foi campeão do mundo na categoria WRC 2 com o Skoda Fabia R5 Evo. Esse triunfo abriu-lhe as portas da equipa oficial Toyota, tendo o privilégio de conduzir o carro com que Ott Tänak tinha sido campeão. O desafio estava lançado e a resposta foi clara: «Vou querer andar sempre no limite». Dito e feito! 

Rovanperä impressionou na época de estreia com a marca japonesa. Conseguiu ser rápido, entender o comportamento do carro e ler corretamente a estrada. Os seus limites não são os mesmos dos outros pilotos. Ganhou o Rally do Ártico na primeira saída com o Yaris WRC e obteve o primeiro pódio no mundial (3º lugar) no segundo rali que fez, na Suécia. 

Embora tímido, Rovanperä tem sentido de humor, como se percebe pela explicação para ter escolhido o número 69. «Assim, quando o carro virar, fica igual, mas não tenho intenções de capotar».

Aos 20 anos tornou-se o mais jovem vencedor de uma prova do mundial de ralis – aconteceu na Estónia – e aos 22 anos conquista o título mundial – um feito absolutamente incrível. É digno representante da fantástica geração de finlandeses voadores, que não tinha um campeão há 20 anos!