O comportamento do consumidor é uma das disciplinas fundamentais em qualquer curso de marketing. Na prática diária, tanto o gestor de marca como o criativo da agência, procuram conhecer os seus públicos, targets, nas suas múltiplas dimensões. Demografia, psicografia, padrões comportamentais ou grupos de interesses são fontes de informação que vão permitir criar perfis e categorias das pessoas enquanto consumidores de um determinado produto ou serviço. Numa visão muito simplista, um estudante do ensino superior com 20 anos, solteiro, da classe média, residente em Lisboa, praticante de surf e defensor de causas ambientais, será um ‘jovem eco-consciente e envolvido’ – categoria fictícia mas que podia não ser – logo receptivo a produtos que vendam um estilo de vida sustentável e ativo.
O ser humano, felizmente, não é assim tão previsível.
O exercício de categorização das pessoas enquanto consumidores não é um mal necessário, é um trabalho essencial para conhecer elementos que permitam estabelecer relações com um determinado grupo de pessoas. O desafio está em conseguir definir as categorias certas mas, sobretudo, resistir à tentação de esperar que as pessoas, seres biopsicosocioculturais, sejam constantes nas suas atitudes e previsíveis nos seus comportamentos. Não são, nem querem e nem podem.
Todas as pessoas, no seu papel de consumidores, são em algum momento incongruentes e preguiçosas. Focando no tema da ecologia, lembro-me de uma manifestação contra as minas de lítio em que os manifestantes usavam as redes sociais para passarem a sua mensagem. Para tal, usavam aparelhos que funcionam com baterias de lítio e, arrisco, sem os quais não passam. Se perguntarmos às pessoas se estão preocupadas com a sua pegada ecológica tenho poucas dúvidas que a grande maioria dirá sim. Se observarmos os seus comportamentos durante uma semana percebemos que a maioria não faz o que podia fazer para a diminuir. Há uma grande distância entre intenção e gesto.
O paradoxo é uma constante do nosso comportamento enquanto consumidores que, por suas vez, estão mais conscientes e confortáveis com isso. De acordo com uma pesquisa recente da Accenture, 69% dos consumidores acham que comportamentos incongruentes são normais e fazem parte da natureza humana. Crescemos, evoluímos, mudamos e desenvolvemos inevitavelmente novas necessidades e interesses, mas nunca tão rápido como agora.
Cerca de 64% das pessoas gostava que as empresas tivessem mais capacidade para reagir e satisfazer as suas necessidades que não param de mudar, enquanto 88% dos executivos considera que as suas organizações não estão a conseguir acompanhar o acelerado ritmo de mudança do consumidor. É cada vez mais complexo identificar e compreender todas as variáveis que determinam o comportamento dos consumidores, 60% das pessoas admite que as suas prioridades mudam em função de fatores externos, 72% identificam a inflação, movimentos sociais e alterações climáticas como motivadores de mudança cada vez mais influentes.
Há muito que percebemos que não basta falar de produto, há muitos iguais e outros tantos parecidos que não se distinguem por aí. A experiência do consumidor, permite uma diferenciação maior e estabelecer ligações mais próximas e envolventes. Porém, cada vez mais é fundamental perceber as pessoas na sua complexidade, constante evolução e exposição a múltiplos fatores externos e imprevisíveis que condicionam as suas decisões. Criar relação com o consumidor implica aceitar uma perspectiva life-centric, ou seja, as pessoas não se encaixam em categorias estáticas nem seguem padrões semelhantes ou constantes, antes mudam devido à influência de múltiplos fatores. Para as empresas, coloca-se o desafio que perceber e antecipar os impactos de múltiplos fatores, sobretudo externos, que redefinem as prioridades das pessoas.
Neste novo paradigma, emergem duas dimensões p ara guiar o caminho da evolução. A primeira é o tempo, médio prazo ou longo prazo, mais ou menos urgente. Apesar de mudarem, o que hoje não é urgente amanhã já pode ser, o fator tempo condiciona sempre uma decisão. A segunda é o controlo, queremos exatamente aquele produto ou estamos disponíveis e à procura de ideias e inspiração.
Apesar da multiplicidade de fatores que condicionam as nossas necessidades e da miríade de informações e pressões a que somos sujeitos todos os dias, procuramos simplicidade. Somos inevitavelmente atraídos pelo que nos ajuda a simplificar o processo de decisão, no limite as nossas vidas, mais simples. Para o conseguirem as empresas recorrem a dados, inteligência artificial e todo o tipo de técnicas de observação comportamental. Mas têm de desenvolver a capacidade de priorizar e mudar, sob pena de não conseguirem acompanhar o ritmo da evolução das prioridades do consumidor.
Senior Manager da Accenture Song