A palavra Halloween suscita diversas imagens na mente: disfarces, doces ou até o papel higiénico que os mais rebeldes gostam de atirar para as casas daqueles que não oferecem as devidas doçarias. Mas nem todas são agradáveis memórias nostálgicas da infância e dos momentos em que íamos pedir “doçuras ou travessuras”.
Halloween é também sinónimo da máscara branca e do facalhão empunhado por Michael Myers, o principal antagonista da franchise dos filmes Halloween, criada em 1978 por John Carpenter, e que se tornou um dos mais icónicos vilões da história do cinema.
Claro que, como costuma dizer o ditado português, “por trás de um grande homem, há sempre uma grande mulher”. A contrastar a violência de Meyers estava Laurie Strode, interpretada por Jamie Lee Curtis, atriz que ajudou a tornar o Halloween um dos mais famosos filmes de sempre, que revolucionou o papel da mulher no cinema de terror e que agora se prepara para se despedir deste papel no mais recente filme desta franchise, Halloween Ends, que estreia no dia 13 de outubro.
Numa entrevista para a NME, onde foi feita uma retrospetiva da sua filmografia e da influência que estes filmes de terror tiveram na sua vida, a atriz, que surgiu ainda em longas-metragens como Everything Everywhere All at Once (2022), A Fish Called Wanda (1988) ou True Lies (1994), afirmou que os mais recentes filmes de Halloween, nomeadamente, a trilogia Halloween (2018), Halloween Kills (2021) e Halloween Ends, realizados por David Gordon Green, “mudaram a sua vida”.
“Ainda mais que os filmes originais?”, pergunta o jornalista Alex Flood. “Ainda mais!”, responde Curtis. “Aos 64 anos já tenho uma carreira completa. Agora sou produtora. Sou escritora, sou realizadora, sou uma chefe ativa, sou uma parceira criativa. Posso colaborar com artistas da maneira que sempre sonhei. Eu nunca esperava estar a fazer filmes como os que estou a fazer agora”, confessou.
A nova trilogia de terror de Green está a ser considerada uma lufada de ar fresco neste universo de filmes. “O David escondeu um filme indie dramático no meio de um filme de terror”, explicou a protagonista. “Ele criou um projeto íntimo que existia em camadas de tecido sangrento e cabeças a explodir. Demorei cerca de uma hora a ler o guião e liguei imediatamente para o realizador a dizer que estava interessada no papel”, recordou.
Esta mudança foi recebida com algum ceticismo por parte dos críticos, com avaliações mistas dos filmes, ora elogiado por ser uma “carta de amor” aos filmes originais com “violência brutal”, escreve Victor Stiff do The Playlist, ora criticado pelo “guião confuso” ou pelo “hábito destrutivo de desvalorizar os momentos mais assustadores com piadas”, condenam respetivamente Benjamin Lee do The Guardian e A.A. Dowd do The A.V. Club.
No entanto, em termos financeiros, este filme foi um enorme sucesso, tendo-se tornado no seu fim de semana de estreia a longa-metragem com uma protagonista feminina com mais de 55 anos, Jamie Lee Curtis, mais lucrativa da história, sucesso este que motivou a inesperada trilogia.
“Não houve nenhuma menção a uma trilogia quando começamos a trabalhar juntos em 2018”, disse a mulher que deu vida a Laurie Strode. “Pensei que nunca mais iria interpretar este papel”.
Uma caminhada influente Halloween Ends será a última vez que Jamie Lee Curtis irá assumir o papel de Laurie Strode, uma proposta que surgiu quando tinha apenas 19 anos.
“Quando tinha 19 anos, eu não era como a Laurie Strode”, contou a atriz a Drew Barrymore (que também tem o seu cunho na história dos filmes de terror pela sua participação no filme Scream) durante a Comic Com na cidade de Nova Iorque, revelando que achava que deveria ter desempenhado o papel de Lynda, que acabou por ir para P.J. Soles.
“Eu pensava que iria ser contratada para interpretar Linda. Eu era um pouco sarcástica e promíscua, mas não era Laurie Strode. O que foi incrível para mim foi isto ser parte de atuação. Ela não era parecida comigo, ela não se vestia como eu, ela não pensava como eu. Eu mal consegui acabar o ensino secundário. Ela era a melhor aluna da sua turma. Havia uma oportunidade real para eu ser uma atriz. Eu nunca tinha tido essa oportunidade antes. Para mim, isso foi incrível”.
O papel de Curtis foi essencial para definir o papel de mulheres em muitos filmes de terror que surgiram no futuro, com o título de “scream queen”, uma personagem “sexy, sedutora, mas ‘alcançável’ para um homem comum”, ajudou a definir a atriz canadiana, Debbie Rochon, que também surge em diversos filmes de terror. “Embora as ‘scream queens’ possam parecer mulheres que apenas tinham de parecer bonitas e gritar muito até que o herói do filme chegasse para salvá-las, algumas que surgiram posteriormente são mulheres que estão preocupadas com algo para além de um homem… a menos que esse homem esteja a tentar matá-las, sendo aí a preocupação principal derrotar o vilão”, escreveu na GQ.
Além deste título, a atriz é também considerada influente na criação da “final girl”, “a protagonista de filmes de terror que encontra sempre forma de sobreviver”, descreve a Time, que conseguiu que Curtis confessasse que não é fã de filmes de terror.
Contudo, a atriz, filha dos lendários atores Tony Curtis (que contracena com Marilyn Monroe em Some Like It Hot) e Janet Leigh (também uma lenda dos filmes de terror depois de morrer na icónica cena do chuveiro de Psycho) e casada com o ator e argumentista Christopher Guest (que desempenha o papel do guitarrista Nigel Tufnel em Spinal Tap), afirma que reconhece a importância deste tipo de filmes, nomeadamente, na forma como “retrata uma história sobre trauma, especialmente os muitos tipos que as mulheres sofrem”, pode ler-se na Time.
“Os movimentos #MeToo e #TimesUp são o resultado do abuso geracional e sistemático das mulheres e do trauma que o abuso gera numa pessoa”, disse em entrevista à revista.
“Sim, é um filme de terror onde adolescentes e adultos são eviscerados por um psicopata mascarado e armado com faca. Mas também é um filme que é curioso sobre como as pessoas lidam com anos de trauma e sobre a fronteira nebulosa entre ansiedade e paranoia quando existe uma boa razão para ter medo”, escreve o jornalista do Time, Sam Lansky. “Quando Laurie prepara uma armadilha na sua casa em antecipação a um ataque, ela não está louca: ela está apenas a preparar-se para a inevitabilidade de que o bandido irá voltar para a atacar”, conclui.