Querida avó,
Vim fazer uma pesquisa ao arquivo do TNDM para uma exposição que vou realizar em breve. Aproveitei para passear um pouco pela Baixa. Agora que muitos turistas, e emigrantes, voltaram às suas casas, apesar de muito frequentada, a Baixa está mais calma.
Sabes que sou uma pessoa que vive no presente, com os olhos postos no futuro, mas que adora viajar ao passado.
Cada vez que venho à Baixa é como entrar numa máquina do tempo.
As saudades que tenho da pastelaria Suíça e das horas que passava na esplanada a ver as pessoas Rossio acima, Rossio abaixo.
Passo na Rua da Vitória, e é inevitável não me recordar da minha adolescência e das longas filas que existiam para entrar na loja “Porfírios”.
Não sei se os teus filhos, que são praticamente da minha idade, eram clientes da loja. Eu adorava!
Era uma loucura. Tinha várias salas, com corredores estreitos, música alta e roupa muito extravagante. Completamente diferente do que se encontrava nas outras lojas, em Lisboa. Fazia-me sempre recordar as que só encontrava em Londres. Fechou, já lá vão 21 anos.
Lembras-te, certamente, da “Casa Africana”, outra loja de renome da Baixa-Pombalina que fechou há muito. “O Preto da Casa Africana” tornou-se um ícone publicitário, por todos conhecido e por todos apreciado. Hoje não seria politicamente correto usar a expressão.
Já a “Gardénia”, na Rua Garrett, sempre a conheci com roupas irreverentes. No entanto, há 30 anos, quando frequentava muito a loja, lembro-me de ouvir histórias desta ser, no passado, uma loja especializada em véus de noiva e chapéus de senhora, imagina.
Não me parece que tenhas sido consumidora destes artigos.
No entanto, deves ter imensas recordações de lojas como o “Grandella” e outros tantos espaços que fazem parte da história da Baixa.
Um tempo em que quem tinha dinheiro fazia roupa por medida nas modistas e alfaiates.
Tão diferente de hoje.
Bjs
Querido neto,
Lembro-me de ir à Baixa com as minhas tias, em criança, imagina. Aquilo era um corrupio de entrar e sair de lojas e tornar a entrar e tornar a sair, os empregados das lojas conheciam-nas pelo nome, claro. E sabiam quase sempre o que elas queriam. Iam ao “Último Figurino” (que até fazia passagens de modelos a que elas nunca faltavam e eu atrás), ao “Tátá”, bebiam um chá na Ferrari. É claro que elas eram das que tinham costureira em casa, a menina Lucinda, e se era coisa de maior elegância, iam à modista, a D. Edina. Às vezes também me levavam a mim a uma loja de vestidos para meninas, chamada “Steffanina”, mas que só estava aberta da parte da manhã. Essa não era na Baixa, era em frente das traseiras do Diário de Notícias. Mal eu sabia então que havia de trabalhar nesse jornal durante mais de 20 anos.
Mas um dia, de repente, deixaram de lá ir e nem falavam na casa. Só muito mais tarde percebi que, durante a tarde e a noite, aquilo era uma casa de meninas.
Para mim a Baixa era sobretudo um lugar onde havia livrarias, muitas livrarias, onde eu podia entrar e folhear os livros e as revistas. A Bertand, a Portugal, a Sá da Costa, a Lello, a Férin faziam a minha alegria. A Portugal até tinha uma escada para o primeiro andar onde eu gostava de ficar sentada a folhear os livros.
Lembro-me do Grandella, claro, e da Casa Africana mas, como diria o Hérman, eu era mais livros.
Depois, em adulta, larguei a pátria e esse tempo da Baixa não me diz nada.
Depois, um dia, estava eu em São Paulo, no Brasil, a jantar com amigos, e a televisão começa a dizer que a Baixa de Lisboa estava a arder – e a Baixa regressa à minha vida, mas da pior maneira.
Lembro-me depois de uma complicada reconstrução, das polémicas, dos anos que passaram até a Baixa estar a nova Baixa.
Hoje, para mim, a Baixa é a Brasileira do Chiado e a Bertrand. E turistas por toda a parte…
Bjs