por Nuno Melo
Primeiro foi o nepotismo, agora são os negócios. Em condições normais não seria preciso lei para impedir que um governante, encarnando o Estado, permitisse negócios desse Estado consigo mesmo, ou empresa sua. Nos tempos que correm, afinal, a questão é saber-se se, para além do cuidado razoável, a lei tem tudo à minúcia que impeça que alguma das suas malhas possa ser transposta pela tentação que vai além da função. A ética a preceder a política é jargão velho e do passado.
De tantos e surpreendentes contratos celebrados com familiares de ministros, secretários de Estado e autarcas, o recentemente conhecido, envolvendo uma empresa de que o ministro Pedro Nuno Santos é titular, a par do pai, merece as dúvidas de alguns espíritos. A lei é tão cristalina, que espanta.
Não está em causa saber-se se o ministro das Infraestruturas e da Habitação é sério, ou não é sério. Mal seria que não o fosse. Relevante, atenta a função, é saber-se se o contrato celebrado com a Tecmacal é legal, ou ilegal, mais ainda quando para o justificar, o debate público vai girando à volta de um Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que pouco ou nada tem que ver com o caso.
Dito isto e a propósito, há 5 perguntas que têm de ser feitas:
1. É ou não verdade que este Parecer não se refere a nenhuma situação em que o governante e o familiar tenham ambos – sublinha-se ambos –,participações na empresa que celebra negócios com o Estado?
2. É ou não verdade que este Parecer se refere à lei n.º 64/93 de 26 de agosto?
3. É ou não verdade que a alínea b) do artigo 8.º da Lei 64/93 refere como sujeitos ao regime do impedimento para celebração de negócios com o Estado, empresas em cujo capital o titular do órgão detenha por si ou conjuntamente com os familiares, uma participação não inferior a 10%, impedimento mantido pela atual lei 52/2019 de 31 de julho, no seu número 3 do artigo 9.º?
4. É ou não verdade que, nesta medida, é expressamente proibido o referido contrato realizado com a empresa do ministro e do seu pai e, como tal, inaplicável o referido parecer?
5. Tendo isto em conta, tem ou não o ministro consciência de se aplicar imperativamente a consequência da demissão como regime sancionatório, previsto no artigo 11.º da referida Lei?
Apesar do óbvio, alguma oposição – nomeadamente aquela que só apresenta moções de censura quando sabe que o governo não pode cair – argumenta agora que a lei tem de ser clara e propõe-se alterá-la outra vez. António Costa agradece e o caso não é para menos.
Mas lei e audições parlamentares à parte, facto é que a ética republicana que há tantos anos adorna belos discursos dos socialismos não só morreu, como jaz bem funda.
Paz à sua memória.