A Rainha, o Presidente e o cavalo

Não está mal que possa surgir alguma nota alegre que descontraia, quebre o gelo e permita chegar a entendimentos no complicado mundo das relações internacionais…

por Manuel Pereira Ramos
Jornalista

 

Na entrevista aqui publicada, o rei Simeão II da Bulgária que muita oportunidade teve de conviver com a rainha Isabel II, destaca o seu maravilhoso, fino e subtil sentido do humor, uma qualidade que certamente lhe terá servido para encarar com naturalidade e depois rir-se das situações embaraçosas que de certeza viveu como destacada protagonista da diplomacia de alto nível. O próprio monarca búlgaro é também um homem que exibe um grande sentimento de amor à vida e bem o mostrou na forma estoica como suportou a morte do filho, o príncipe herdeiro Kardam, vítima de um desastre de automóvel que o deixou em coma durante longos meses até falecer.

Alfonso Ussia é um conhecido escritor e jornalista espanhol, grande amigo de Portugal ao que, com frequência dedica artigos extremamente elogiosos manifestando sempre uma grande admiração pelo que fomos no passado e o que somos no presente. Há dias voltou a escrever sobre nós aproveitando para relatar no texto um episódio protagonizado pela rainha Isabel II que eu já lhe tinha ouvido contar e também lido num dos livros por ele publicados.

Tudo sucedeu, segundo ele, no primeiro dia da visita oficial que o general Ramalho Eanes fez ao Reino Unido como Presidente da República. O avião presidencial aterrou em Gatwick e, desde aí, o ilustre visitante, a esposa e toda a comitiva tomaram lugar num comboio especial que os conduziu até à londrina estação de Vitória em cujo cais, num excecional gesto de enorme cordialidade e deferência, tinham á espera nada menos que a Isabel II e o marido. A saudação entre a rainha e o Presidente, longe da efusividade que poderia esperar-se de um primeiro contacto entre os máximos representantes da aliança diplomática mais antiga do mundo, foi cordial, mas fria como o dia, como diz Ussia, «parecia um encontro, em águas da Terra Nova, entre um linguado e uma pescada». Depois do aperto de mãos e da cerimoniosa passagem de revista aos batalhões da Casa Real, aos Lanceiros e aos Dragões da Rainha, ambos dignitários tomaram lugar no coche real puxado por oito magníficos cavalos negros em direção ao Palácio de Buckingham, atrás, noutro coche, o duque de Edimburgo fazia companhia à nossa primeira dama, Manuela Eanes. O cortejo percorria, com grande beleza, as ruas de Londres quando, ao entrar numa curva em Trafalgar Square, um dos cavalos tropeçou, assustado, o animal descuidou-se lançando um bem sonoro e enormemente malcheiroso ruído que lhe saiu das tripas e chegou aos ouvidos e ao nariz dos dois Chefes de Estado. A rainha, fortemente embaraçada, apresentou, na sua qualidade de anfitriã, as suas desculpas a Ramalho Eanes que, no seu melhor inglês, respondeu procurando tirar importância ao incidente: «Não se preocupe Majestade, eu pensei que tinha sido o cavalo».

Alfonso Ussia garante, sem que haja qualquer motivo para o por em dúvida, que foi a própria Isabel II quem contou o episódio a um grupo muito reduzido de amigos entre quais estava o rei Juan Carlos, este, entre gargalhadas, narrou-o ao seu pai, D. Juan de Borbón que, por sua vez, o segredou ao próprio Ussia dando-lhe autorização para o publicar, mas com a condição de nunca indicar qual tinha sido a sua fonte de informação. Depois de revelada, a notícia chegou a Portugal e, com certeza seguindo instruções dos seus superiores, o  nosso embaixador em Madrid convocou ao autor para tentar saber de donde tinha saído semelhante confidência, mas Ussia manteve-se fiel ao juramento feito a D. Juan: «Sr. embaixador, a informação só me pode ter chegado vinda de algum dos três lados, o Presidente não foi porque, evidentemente, nesse caso, eu não estaria aqui,  a rainha anda muito ocupada e não tem tempo para falar comigo, portanto, só pode ter sido o cavalo». Com enorme sentido diplomático, o embaixador concordou: «Estou de acordo consigo, não há dúvida que foi o cavalo, assunto arrumado, vou transmitir isso a Lisboa, muito obrigado». 

Não está mal que possa surgir alguma nota alegre que descontraia, quebre o gelo e permita chegar a entendimentos no complicado mundo das relações internacionais. Também existe o bom humor popular e nesse campo nós temos um certo jeito para inventar anedotas referidas a algum acontecimento que se esteja a produzir. Foi o caso da visita da rainha Isabel II a Portugal em 1957, onde se encontrou com o marido depois de meio ano de separação por culpa da longa viagem que ele teve de fazer aos muitos territórios então sobre a égide da coroa britânica. O duque de Edimburgo desembarcou em Lisboa fardado de oficial da marinha britânica e a anedota era: porquê o Duque chegou vestido de branco? Resposta: Porque há seis meses que não via o padeiro! Humor à portuguesa.