por João Cerqueira
Sucedem-se as denúncias de abuso de crianças por padres católicos e do seu encobrimento pelos bispos e até pelos Papas. Entre o choque e a revolta, a sociedade perde a confiança na Igreja e exige justiça. Não duvidam que a maioria dos padres não é pedófilo, mas cresce a suspeita de que a maioria dos homens da igreja sabia desses abusos e não os denunciou. A Igreja protegeu os seus agressores e abandonou as vítimas.
Em Portugal, uma comissão independente que investiga estes crimes já encontrou mais de quatrocentos casos de abusos de menores – e a procissão ainda vai no adro. Questionado sobre o assunto, Sua Excelência o Presidente da República afirmou o seguinte: «Haver quatrocentos casos não me parece que seja particularmente elevado». Tal comentário, gerou indignação e houve até quem exigisse a demissão do Presidente. Sua Excelência, replicou que as suas palavras foram mal interpretadas e tem razão. Tudo depende da interpretação dos números que, como se sabe, desconhecem a compaixão. Ora, se compararmos os casos de abusos em Portugal com os dos Estados Unidos, então facilmente se percebe que as declarações do Presidente foram sensatas. E se se comparar com o total de casos de pedofilia no mundo inteiro, desde o início da Humanidade, desde que um Pitecantropo abusou de um jovem Australopiteco, então temos no Presidente, além de um grande estadista, um génio da Matemática.
Portanto, o problema não é o abuso de crianças – que, aliás, sempre existiu. O problema é a falta de conhecimentos estatísticos por parte dos portugueses. Então não é muito mais importante conhecer a Média, a Moda e a Mediana do que saber se os padres violam crianças?
Depois, alguns membros da Igreja defenderam-se afirmando que a pedofilia existe em todo o lado, em todas as profissões. Este argumento mete a Summa Theologica de São Tomás de Aquino num chinelo. O número de casos de abusadores de crianças entre os tradutores de Uzbeque, os domadores de pulgas e os arpoadores de cachalotes é assustador. E, sendo certo que há vida noutros planetas, é óbvio que neste momento estão a sofrer abusos infantes extraterrestres a milhões de anos-luz da Terra. A pedofilia está disseminada pelo Cosmos, ainda que só existam padres e o inferno no nosso planeta. Para este argumento ser perfeito e calar de vez vozes soezes, só faltou alargar esta lógica de se o recoveiro viola uma criança, o padre até pode violar duas ao reino animal. Afinal, estamos num tempo em que os animais já são quase considerados iguais aos seres humanos. Assim, olhem bem para os casos de pedofilia entre os pandas e os protozoários e depois ganhem vergonha antes de atirar pedras à Igreja.
Em suma, estiveram muito bem Sua Excelência o Presidente da República e os bispos e padres que desvalorizam o assunto da violação de crianças. Afinal, tudo não passou de uma questão de interpretação semântica. Jesus disse «deixem vir a mim as criancinhas» e certos padres interpretaram mal o alcance dessas palavras e pior ainda o amor que lhes deviam manifestar. Depois, a hierarquia católica que não os denunciou confundiu-se com a parte do Evangelho de Mateus que diz «não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita» – e também não quis saber o que se passava. A interpretação das Escrituras é muito complicada, já originou cismas e guerras religiosas e, como tal, não se pode exigir à Igreja portuguesa que compreenda as suas palavras. Afinal, os irmãos de Jesus não eram irmãos, eram primos ou talvez cunhados.
Durante a queda de Constantinopla no século XV, enquanto os turcos chacinavam a população e violavam muito mais de quatrocentas crianças, os bispos resolveram discutir o sexo dos anjos. Após complexo debate teológico, não chegaram a nenhuma conclusão – nem sequer se faziam chichi. A Igreja aprendeu a lição e considerou que também não valia a pena perder tempo com o sexo entre padres e anjos de ambos os sexos. Alguns gostavam de carne tenra, como leitões e criancinhas. Aquilo era lá uma coisa entre eles, umas traquinices na cama ou na sacristia. Grave, seria os padres casarem-se, pois as mulheres poderiam lançá-los na perdição moral. Mal por mal, é preferível uma criança aterrorizada na cama do padre do que uma fêmea excitada.
Demais, a absolvição dos pecados existe para isso mesmo, num ciclo continuo de pecado e arrependimento. O padre abusava da criança – isso era mau, claro -, mas depois pedia perdão a Deus e considerava-se puro outra vez – que maravilha -, para de novo poder lançar as garras na carne infantil, e pedir novo perdão.
Ao contrário do que se afirma, a Igreja Católica nunca esteve tão próxima dos ensinamentos de Jesus, nem nunca tivemos um Presidente da República com tanta sensibilidade para temas delicados como a estatística da violação de crianças e os traumas dessas vítimas.