Perder um filho

O luto de uma mãe é o mais difícil de fazer e ultrapassar. Vai se fazendo como se consegue. Porque nenhuma mãe pode deixar um filho partir.

Um dia destes o meu filho mais velho perguntou-me quantos anos é que eu achava que ele iria viver. ‘Muitos, imensos!’, respondi-lhe, ‘mas não quero saber quantos’.

O maior desejo de uma mãe é que o seu filho seja feliz e saudável. O maior receio é que se magoe de alguma forma. E aquilo em que nem sequer se permite pensar é em vir a perdê-lo.

O luto de uma mãe é o mais difícil de fazer e ultrapassar. Vai se fazendo como se consegue. Porque nenhuma mãe pode deixar um filho partir. Há uma enorme parte de si que lhe é arrancada, que parte com ele e a sobrevivência torna-se quase impossível. No início há quase uma petrificação. Uma incredulidade, uma falta, uma paralisação a todos os níveis. E aos poucos vão surgindo as chagas da ausência, que embora possam trazer uma dor quase insuportável, no início parecem mais toleráveis do que qualquer outra coisa, como seguir em frente.

Depois começam a apanhar-se e a reunir-se as peças, a perceber aos poucos o que resta e o que se pode fazer com isso. É o início de uma vida na continuação da anterior. Que se desenrola quase em paralelo com a antiga, porque é feita de memórias, muito presentes, cada vez mais distantes no tempo.

Aos poucos a revolta e a zanga vão se transformando e permitindo voltar a viver, a sorrir. Embora seja muito difícil, com certeza mais do que posso sequer imaginar, não pode haver outra forma. E chega a ser quase um dever para com quem partiu e para com quem fica, aproveitar a vida que lhe fugiu, dignificá-la por quem queria vivê-la, por si, pelo pai e pelos irmãos – caso existam ou venham a existir -, pela família, por todos.

A primeira vez que vi uma mãe enlutada foi também a primeira em que perdi um amigo. O rosto sulcado e inexpressivo, a postura inerte e a sua presença tão dura transmitiam não só uma transtornante sensação de dor, mas sobretudo um enorme vazio. Como se fosse um invólucro sem conteúdo, um corpo sem alma. Um vazio absolutamente desconcertante. Passaram mais de 25 anos e o seu rosto continua a vir-me a memória, tão claro como se fosse hoje, quando imagino como poderá ser perder um filho.

Depois desse vi mais alguns, infelizmente. Independentemente da idade do filho e do tempo a que tinha partido, todas estas mães tinham muito em comum. Nomeadamente a sua presença constante e uma enorme coragem para seguir em frente.

É como uma ferida que nunca fecha. Aprende-se a viver com ela, às vezes está melhor e até pode não doer, outras pior, mas nunca chega a cicatrizar.

A vida reconstrói-se sobre a outra, no início de forma muito difícil e frágil, praticamente impossível, como um enorme e permanente murro no estomago, mas vai melhorando, se se permitir. Aos poucos vão se arranjando estratégias melhores ou piores, vai-se negociando com a vida, percebendo que não se pode viver só de dor, reaprende-se a sorrir e aos poucos a ser feliz. Na companhia dos outros, mas também de quem partiu e que habita e faz parte de quem fica, todos os dias e para sempre.