por Luís Paulino Pereira
Médico
Dra. Marta, não esquecerei a sua obra nem o muito que deu ao país nos tempos difíceis da pandemia. Quer se goste ou não se goste, o seu nome ficará para a História como uma mulher corajosa e de valor.
Não é novidade para ninguém, pois todos nós conhecemos casos aos quais isto se aplica na perfeição. Casos de pessoas que quiseram prolongar a sua vida profissional para além do que seria razoável e decidiram continuar em funções já sem condições físicas nem psíquicas para as poderem desempenhar dentro daquilo que consideramos normal.
Isto tem acontecido no campo da política, do ensino, do desporto, do espetáculo, da medicina, da comunicação e em todas as áreas em que as pessoas, considerando-se insubstituíveis, decidem permanecer no ativo sem qualquer horizonte temporal. O que acontece inevitavelmente é que se arrastam no trabalho e, na maioria dos casos, acabam por sair pela ‘porta baixa’, sem honra nem glória, muitas vezes expostas ao ridículo, provocando um sentimento de dó naqueles com quem contactam.
É pena ver figuras de relevo na nossa sociedade acabarem assim as suas funções, depois de terem ocupado lugares cimeiros e de destaque nas respetivas áreas. Por isso, é bom que cada um perceba quando está a chegar a hora de se afastar, de modo a poder sair pela porta grande deixando uma boa imagem e o seu testemunho aos mais novos, que lhes irão dar continuidade.
Saber retirar-se a tempo e na hora certa é, sem sombra de dúvida, uma grande virtude. Jorge Coelho era ministro da Administração Interna quando caiu a ponte de Entre-os-Rios, causando a morte de muitas pessoas. Naquela mesma noite, num gesto de grande dignidade, demitiu-se do cargo, por ter entendido dever assumir responsabilidades pela tragédia que tinha acontecido. Ainda hoje o recordamos e não esquecemos esse gesto, que deverá servir de exemplo e permanecerá de geração em geração. Num outro setor, Simone de Oliveira reconheceu ter chegado o momento de terminar a sua carreira, para que o público guardasse dela apenas boas recordações.
Contudo, para se chegar a tal conclusão é preciso ser-se inteligente e não estar agarrado aos lugares, como tanta gente faz nas respetivas profissões, ou nos cargos que desempenha.
Marta Temido cessou funções como ministra da Saúde a seu pedido, ainda não há muito tempo. A pasta da Saúde é sempre difícil, seja o seu titular um médico, um político ou um gestor. É um lugar ingrato, que requer coragem para enfrentar os problemas e tomar as decisões certas, prudência para selecionar prioridades e bom senso para analisar os dossiers.
Além disso, é essencial rodear-se de bons colaboradores e estar sensibilizado para esta área tão melindrosa. Marta Temido, que não conheci pessoalmente, teve um pouco de tudo isto. Nem sempre estive de acordo com ela nas decisões que tomou. Mas apraz-me registar a sua luta contra a covid-19.
De repente, surgiu uma pandemia de contornos desconhecidos e de terríveis complicações. A ministra da Saúde nunca abandonou o barco e enfrentou todos os problemas com coragem e sacrifício. Só por isso, merece o nosso respeito e o nosso reconhecimento. Como médico e cidadão, aqui lhe deixo o meu cumprimento e o meu abraço sentido.
Mas, quando apareceu um novo Governo saído das eleições antecipadas de janeiro passado, volta de novo (para muitos, inesperadamente) Marta Temido como ministra da Saúde, ‘rejuvenescida’ e pronta para novo combate; ora aí não fez, quanto a mim, a melhor opção.
Os resultados não demoraram muito a aparecer e os acontecimentos dos últimos tempos na área da Saúde falaram por si. Lamentavelmente, mais uma vez se confirmou a teoria ‘saber retirar-se na altura certa, é uma grande virtude’.
Tenho pena que a Dra. Marta, em tempos a ministra mais popular, a tal mulher corajosa que iria ser recordada como a grande muralha que travou as ondas da covid-19, tenha saído daquela maneira, associada a situações tristes do conhecimento público, que mancharam sem necessidade o testemunho que nos deixa.
Apesar de tudo, Dra. Marta, não esquecerei a sua obra nem o muito que deu ao país nos tempos difíceis da pandemia. Quer se goste ou não se goste, o seu nome ficará para a História como uma mulher corajosa e de valor. É assim que eu a quero recordar.