A Bidluck SA, a empresa que fez a proposta mais alta no concurso para a concessão da exploração dos casinos do Estoril e de Lisboa, está envolta num esquema de jogo ilegal. O administrador único desta sociedade em Portugal, Jorge Manuel Galvão Miguel, está a ser julgado no Tribunal de Viseu por um crime de exploração ilícita de jogo e um crime de material de jogo, juntamente com outro responsável ligado à Bidluck em Espanha, Juan Jesus Hernandez Gutierrez, e outros três arguidos.
De acordo com o despacho de acusação do Ministério Público (MP), a que o Nascer do SOL teve acesso, no verão de 2011, os cinco arguidos celebraram um «acordo» com o objetivo de «colocar máquinas eletrónicas que desenvolvem jogos de fortuna ou azar em estabelecimentos comercias de café e snack bar, na região centro do país, por forma a beneficiarem dos proveitos económicos gerados pelas máquinas, nomeadamente por via do dinheiro que os clientes desses estabelecimentos viessem a desembolsar».
Para conseguirem convencer os proprietários dos espaços a aceitarem a colocação destas máquinas, propunham a partilha dos lucros, entregando «uma percentagem entre 10% a 50%» do valor obtido com a exploração das máquinas de jogo, que apenas são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais legalmente autorizados para esse efeito. Havia máquinas que num período de 15 dias chegavam a acumular no moedeiro um valor que ascendia aos 500 euros.
O dinheiro resultante da utilização das máquinas, depois de entregues os prémios aos jogadores e de paga a comissão ao proprietário do estabelecimento, era dividido pelos arguidos.
Os estabelecimentos comerciais identificados neste processo estavam dispersos pela zona centro do país, nomeadamente na Marinha Grande, Leiria, Porto de Mós, Carregal do Sal, Tondela, Seia e Viseu. Segundo o MP, na concretização deste plano conjunto, cada um dos arguidos desempenhava uma função e exercia influência junto dos locais que lhe estariam mais próximos.
Assim, competia a Juan Gutierrez – também conhecido pela alcunha ‘o Espanhol’, como identificam as testemunhas – fazer a primeira abordagem aos responsáveis dos estabelecimentos e com eles negociar as condições em que seriam instaladas as máquinas.
Por sua vez, Jorge Miguel – mais conhecido como ‘o Engenheiro’ dados os seus conhecimentos técnicos – era responsável por equipar as máquinas com software adequado ao desenvolvimento dos jogos, bem como à ocultação dos mesmos em caso de apreensão da máquina, competindo-lhe ainda atualizar os programas, reparar eventuais avarias, assim como «acompanhar as perícias quando alguma das máquinas era apreendida, no âmbito de processos criminais».
Os restantes arguidos, além de estarem incumbidos de transportar e instalar as máquinas, tinham ainda a tarefa de visitar os estabelecimentos e recolher o dinheiro, pagando também a comissão que era devida aos proprietários.
Para que durante as fiscalizações aos estabelecimentos onde as máquinas eram colocadas em funcionamento não fosse detetado que desenvolviam jogos de fortuna ou azar, os arguidos, para além de instalarem programas de ocultação do software, «colocavam na parte exterior das máquinas inscrições tais como ‘quiosque de internet’, por forma a aparentar que as mesmas serviam apenas para aceder à internet».
Os factos descritos no despacho de acusação prolongaram-se pelo menos até ao início de maio de 2015, quando o esquema acabou por ser detectado no âmbito de fiscalizações levadas a cabo pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), que procedeu à apreensão das máquinas. Estas máquinas foram depois submetidas a exame pericial pelo Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ) que detetou o software. Neste processo, são referidas 28 testemunhas de acusação, sendo que 15 são inspetores da ASAE, cinco são elementos da PSP de Viseu. É ainda referido o Inspetor Principal da Inspeção de Jogos do Turismo de Portugal, João Paulo Lage Rodrigues de Almeida.
É igualmente descrito que, em várias ocasiões em que as máquinas foram apreendidas, os arguidos voltaram a colocar outras nos mesmos estabelecimentos pouco tempo depois.
A acusação revela ainda que os dois arguidos com ligações à Bidluck, Juan Gutierrez e Jorge Miguel, são reincidentes e já foram arguidos no âmbito de um processo em Leiria pelo mesmo crime de exploração ilícita de jogo, o qual é punido com pena de prisão até dois anos.
Aliás, Juan Gutierrez foi mesmo condenado, nesse processo que transitou em julgado a 26 de novembro de 2009, a uma pena de 11 meses de prisão, em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, e a 150 dias de multa. Essa pena terminou a 14 de fevereiro de 2011.
Contudo, em janeiro desse ano, ainda sob o cumprimento da pena, Juan Gutierrez foi alvo de buscas, assim como Jorge Miguel e outro arguido. As diligências ocorreram em residências, viaturas e numa garagem que utilizavam para guardar e reparar máquinas de jogo. Estava em curso uma nova investigação por suspeitas da prática do mesmo crime.
Juan Gutierrez voltou a ser pronunciado pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, mas Jorge Miguel e outro arguido beneficiaram de uma suspensão provisória do processo. Terá sido por essa altura, algures no verão de 2011 que engendraram o esquema de colocação de máquinas em cafés, pelo qual estão agora a ser julgados. O julgamento iniciou-se em setembro de 2021, tendo a última sessão sido a 22 de junho de 2022. A quarta sessão irá decorrer na próxima segunda-feira, dia 24 de outubro.
A Bidluck, à qual estão ligados Juan Gutierrez e Jorge Miguel, ofereceu mais 20 milhões de euros do que o grupo Estoril-Sol, no concurso para a concessão da exploração dos casinos do Estoril e de Lisboa. Em Portugal esta empresa é uma sucursal de uma outra espanhola e está instalada em Leiria, tendo Jorge Miguel como administrador, que por sua vez tem participação noutras empresas, nomeadamente na Iberoluck, que se dedica ao desenvolvimento, fabricação e comercialização de máquinas destinadas à prática de jogo.
Ora, o espanhol Juan Gutierrez que é residente em Collado de Contreras, na província espanhola de Ávila, onde a Bidluck também tem sede, tem como domicílio profissional a sede da Iberoluck, em Leiria.
Proposta não cumpre requisitos
O caderno de encargos do concurso para a concessão da exploração dos casinos do Estoril e de Lisboa obedece a trêscritérios de adjudicação que passam por uma contrapartida anual fixa, que não pode ser inferior a 10.166.666,67 euros, uma percentagem que incide sobre as receitas brutas dos jogos explorados, fixada entre os 45 e os 50%, e uma contrapartida anual variável de 51,6 milhões de euros.
Terá sido neste último critério que a Bidluck ultrapassou a proposta do Grupo Estoril-Sol ao oferecer cerca de 76 milhões de euros, juntando à sua proposta um contrato promessa de compra e venda de três terrenos na zona dos Olivais e junto ao Parque das Nações
Acontece que a área total dos terrenos será de aproximadamente dois mil metros quadrados, com uma área prevista de implantação de 1629 metros quadrados e uma área de construção de 11677 metros quadrados, sendo que o atual edifício do casino de Lisboa tem uma área de implantação de 7844 metros quadrados e uma área de construção de 17442 metros quadrados.
Além disso, a zona onde os terrenos se localizam está classificada no Plano Diretor Municipal de Lisboa como área Histórica Habitacional, incluída numa Zona de Proteção de Imóvel Classificado. Nestes espaços, o PDM privilegia a predominância do uso habitacional, a conservação e a reabilitação de edifícios existentes. E qualquer obra de construção, ampliação e alteração têm que se enquadrar nas características morfológicas e tipológicas dominantes no arruamento, o que pode limitar a construção em altura.
A estas condicionantes, acresce ainda que, segundo o PDM, a área de construção permitida para aqueles terrenos é de 3150 metros quadrados o que fica muito aquém dos 11677 metros quadrados que a Bidluck apresenta na proposta e que, no limite, também não seria suficiente, dado que o caderno de encargos exige a construção de instalações com dimensões que comportem todos os equipamentos do atual casino.
O que não deixa de ser estranho é que, numa matéria tão escrutinada, o concurso público para a concessão dos casinos de Lisboa e do Estoril não tenha um único critério qualitativo, que obrigue os proponentes a prova de idoneidade.