Depois de ter sofrido uma queda e de ser transportado para o hospital de São José, Carlos Melancia, antigo governador de Macau, morreu esta segunda-feira aos 95 anos. A notícia foi avançada pela RTP e confirmada à agência Lusa pela família do ex-dirigente licenciado em Engenharia que foi governador de Macau de 1987 a 1991 e ministro com as pastas da Indústria e Tecnologia, do Mar e Equipamento Social em diversos governos socialistas.
Em 1991, demitiu-se do cargo de governador da última colónia portuguesa na sequência do denominado Caso do Fax de Macau, que envolvia financiamentos partidários do PS, um processo de que foi ilibado em 2002. Aliás, em 2017, Ana Sá Lopes narrava, no Nascer do SOL, que Macau havia sido “um mistério na vida de Mário Soares – e um assunto tabu, de que sempre odiou falar”.
Isto porque “as suspeitas de que o financiamento do PS – e das campanhas eleitorais para a Presidência da República – provinham da ‘árvore das patacas’ que caía daquele território que foi português até 1999, foram sempre constantes”, porém “provas que ligassem o antigo Presidente da República a financiamentos ilegais provenientes de Macau nunca existiram”.
A jornalista explicava como o caso do fax de Macau levou à queda do governador Carlos Melancia. “Grande amigo de Mário Soares, acusado de corrupção – acabaria mais tarde por ser absolvido numa estranha decisão judicial onde foram condenados os corruptores mas não foram descobertos os corrompidos”, sendo que foi “obrigado a demitir-se depois de uma reunião em Belém com o Presidente Soares”.
“Manteve-se em silêncio até muito recentemente quando, numa entrevista para a biografia de Fernando Esteves sobre Jorge Coelho, O Todo-Poderoso, acusa Mário Soares de ‘traição’. Soares sempre elogiaria Carlos Melancia e defenderia a inocência do antigo governador de Macau. Mas Melancia esperava uma manifestação de confiança do Presidente da República que nunca chegou’”, mencionava. Entretanto, enquanto decorria esta polémica, Melancia exerceu funções de deputado eleito pelas listas do PS de Leiria, entre 1985 e 87, tendo em 89 sido substituído por Murteira Nabo no cargo de governador.
Relativamente ao julgamento, havia sido absolvido em janeiro de 1994, o Ministério Público recorreu e, em outubro de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu os dois recursos interpostos, encerrando o processo judicial.
A última entrevista Em abril de 2019, Melancia deu a sua última entrevista. Em declarações à agência Lusa, admitiu que a proximidade de Portugal e Macau “nunca foi suficiente e hoje está pior do que esteve no passado”. “A 13 de abril de 1987, Lisboa e Pequim assinaram a Declaração Conjunta Sino-Portuguesa sobre a Questão de Macau, que previa um 1999 como a data da transferência da administração do território”, lembrava a agência, sendo que, então, volvidos 32 anos da declaração e 20 da transferência da administração, Melancia acreditava que Portugal mantinha Macau no esquecimento político.
“Portugal tem vindo a desprezar a potencialidade” que a sua ainda presença em Macau representa, observou o antigo governador. “Teoricamente quem lidera esse processo da CPLP [Comunidade dos Países de Língua Portuguesa], na minha perspetiva é mais Macau e a China, por detrás de Macau, em termos formais, do que Portugal em termos objetivos. Claro que de vez em quando acabamos por fazer coisas”, deixou claro.
“Na prática o que quero dizer é que a sede da CPLP está em Macau”, devido ao peso que a China tem nos vários países da organização, adicionou, declarando que Portugal tem de afirmar a sua presença diplomática em Macau “para dar um ar de que lidera a potencialidade que a China reconhece que existe” na CPLP, até porque “Pequim olha para a CPLP como um património de origem portuguesa” e Lisboa, na ótica de Melancia, devia afirmar essa autoridade natural, lembrando que a “China é dos poucos países do mundo capaz de racionar a cinquenta anos”.
Para o ex-dirigente político “a China olha para os portugueses como os senhores que têm ‘know how’, tem a Torre do Tombo e institutos e pessoas que têm conhecimento dos recursos mineiros de Angola e outros” países. “Se é a China que de facto bate palmas em relação à existência da CPLP, nós temos que fazer um esforço para mostrar que, de facto, tem razão para o fazer e que de facto nós temos conhecimentos suficientes para ajudar a essa ligação e tirar partido disso”, concluiu.