O dia 13 de janeiro de 2016 ficará para sempre na memória da família Marques. Principalmente, na de Mário, de 66 anos, e Afonso, de 25. «Levantei-me bem-disposto, não senti as dores de cabeça dos dias anteriores, fui tomar um café e comecei a ter uma transpiração fria. Fui para casa, comecei a preparar o almoço e lembro-me perfeitamente de que era carne de porco à alentejana», conta Mário, de 66 anos, ao Nascer do SOL, que havia decidido, semanas antes, deixar de tomar um medicamento para uma patologia cardíaca depois de o seu médico lhe ter dito que estava a melhorar a olhos vistos.
«Preparei as batatas, cortei-as, fritei-as, a carne, piquei os pickles, tudo, o meu filho do meio, o Afonso, estava na sala, olhei para o relógio e eram 12h50. Pus a comida no forno, baixei-me, tinha um pírex de vidro na mão, tirei-o de um armário, ouvi um zumbido brutal, não passou e deixei-o cair ao chão», recorda na véspera da efeméride que lhe diz mais, o Dia Mundial do AVC, celebrado a 29 de outubro. «Estávamos à espera de que a minha mãe chegasse com o meu irmão mais novo para almoçar quando se deu o sucedido. O meu pai estava a cozinhar e deixou cair uma travessa que se partiu e eu fui ver se estava tudo bem e já dei com o meu pai com sintomas de AVC», lembra Afonso, esclarecendo que «rapidamente» tentou amparar Mário para que este não caísse enquanto telefonava para o 112.
«Lembro-me de que nesses minutos coloquei os cães na sala (para não fugirem quando a ambulància chegasse) e ainda apaguei o fogão. Entretanto chegaram os bombeiros que prontamente o ajudaram (não vinha nenhum médico na ambulância…) e chegaram a minha mãe e irmão», narra. «Consegui manter o sangue frio e a racionalidade durante este tempo todo, mantendo a calma perante o meu pai e perguntando-lhe como estava… A minha mãe seguiu pouco tempo depois para Coimbra», conta o jovem que, à época, frequentava o primeiro ano da licenciatura na Universidade de Coimbra.
«O meu braço não se mexia. Entendi logo que tinha tido um AVC. O Afonso levantou-se porque eu já não respondi à pergunta que me tinha feito. Encostei-me ao fogão para não cair e ele só dizia ‘Pai? Pai?’ e ajudou-me a que ficasse de joelhos numa cadeira para não cair e telefonou logo para o 112. Foi uma coisa muito rápida», diz Mário, antigo funcionário do Hospital de Cantanhede, residente na mesma cidade, que foi transportado de imediato, pelo INEM, para Coimbra. «Entre ele ter telefonado e eles chegarem, acho que passaram só uns minutos. E a minha esposa chegou praticamente ao mesmo tempo. Eu só pensava: ‘Quero chegar a Coimbra o mais depressa possível’», admite.
«Tudo correu bem graças à Via Verde, uma equipa estava à minha espera, deram-me uma injeção para desobstruir as artérias e fiquei nove dias no hospital. Se eu sabia falar, por que é que não conseguia? Tudo me fazia confusão», confessa, sendo que, mundialmente, a cada segundo, uma pessoa tem um AVC e, a cada seis, uma morre devido a esta doença, de acordo com dados de 2019. Os mais recentes, relativos a 2022, avançados à agência Lusa, revelam que em Portugal há cerca de 20 mil sobreviventes de AVC por ano. Desse número, cerca de 35 a 40% fica com sequelas moderadas ou graves e «uma percentagem importante», aproximadamente 8 mil doentes, necessita de uma continuidade da reabilitação com um programa intensivo.
«A minha recuperação só foi possível graças aos profissionais de saúde de excelência que me acompanharam – incluindo um enfermeiro incrível que conseguiu que eu fosse acompanhado no Hospital de Cantanhede -, não tenho absolutamente nada negativo a apontar-lhes, aos meus familiares e amigos. E só comecei a pintar porque tive o AVC, este hobbie surgiu durante a recuperação: por isso é que se diz que ‘há males que vêm por bem’. Agora, não viveria sem esta paixão!», finaliza, admitindo que continua a encarar a vida com o mesmo entusiasmo de outrora.
Artigo atualizado às 13h15 do dia 31 de outubro de 2022