por Nuno Melo
O que é que a demissão de João Soares do cargo de ministro da Cultura em 2016, tem que ver com o apoio expresso de António Costa a Lula da Silva para as próximas eleições no Brasil? Tudo. E o primeiro-ministro de Portugal devia ter noção disso.
Há 6 anos, recorde-se, João Soares reagiu na página pessoal de Facebook às críticas de Augusto M. Seabra – que no Público escrevera que quatro meses depois o ministro não apresentara políticas, revelava «um estilo de compadrio, prepotência e grosseria», não tinha «qualificações particulares para o cargo» e liderava um gabinete que não passava de «uma confraria de socialistas e maçons» – escrevendo: «estou a ver que tenho de o procurar, a ele e já agora ao Vasco Pulido Valente, para umas salutares bofetadas. Só lhes podem fazer bem. A mim também».
Na ocasião, é sabido, António Costa ressentiu-se. Pediu desculpas a Augusto M. Seabra e a Vasco Pulido Valente, mas mais relevante, definiu o que se julgaria a boa doutrina a ter em conta para os membros do Governo no futuro, sublinhando que «nem à mesa do café poderiam deixar de se lembrar que são membros do Governo e portanto devem ser contidos na forma como expressam as suas emoções».
O argumento, deve reconhecer-se, seria razoavelmente incontestável. A função acompanha o titular do cargo desde a posse, até ao termo do mandato e o sentido de Estado não tem horário de expediente. O problema é que para o primeiro-ministro, as razões de princípio têm dias.
Tenha-se presente, como exemplo, a reação mais recente da ministra da Agricultura às críticas da CAP, que representando milhares de associados, considerou inexistente a resposta do Governo para mitigar o impacto da seca no setor da produção e alimentação animal. Maria do Céu Antunes, reagindo, achou normal responder com uma pergunta: «Porque é que durante a campanha eleitoral a própria CAP aconselhou os eleitores a não votar no Partido Socialista?».
Valesse aqui o critério aplicado a João Soares, o primeiro-ministro deploraria que a opção eleitoral no partido do Governo pudesse ser razão para a distribuição de fundos comunitários nascidos dos impostos pagos por eleitores de todas as cores. Afinal, não cabendo o argumento na dimensão de Estado, só seria compreensível no domínio da opinião pessoal da governante que, de tão absurdo, não poderia ter merecido destino diferente do dado a João Soares. Mas não. António Costa calou e para ordenação das razões de princípio deixou claro que a aplicação do critério ‘quem se mete com o PS leva’, precede na hierarquia a ponderação do ‘sentido de Estado’.
Mas vale isto também a propósito do próprio primeiro-ministro. É que se «os membros do governo nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo e portanto devem ser contidos na forma como expressam as suas emoções», António Costa não pode ser exceção.
A declaração expressa de apoio a Lula da Silva nas eleições, independentemente de qualquer avaliação do percurso judicial do candidato e do que lhe deu causa, é indigna num primeiro-ministro que não percebe que o que diga e faça afeta sempre o Estado português. A conversa dos fatos diferentes – de governante e secretário-geral do PS –, não só contradita a teoria da mesa de café que serviu de expediente para o saneamento de João Soares, como ilustra um velho truque adolescente que se tolerável em associações de estudantes, é insuportável na chefia de um governo.
Evidentemente, a atitude de António Costa pode prejudicar e lesar a seu tempo seriamente as relações de Portugal com o Brasil. Os milhões de portugueses e lusodescendentes que estudam, trabalham, investem, integram empresas, instituições e associações do outro lado do Atlântico mereciam muito melhor.