E se Juan Carlos I morrer em Abu Dhabi?

Deus salve o Rei Juan Carlos I que, apesar dos graves erros que cometeu e que desiludiram aos muitos que o admiravam, nunca deixou de ser um grande amigo de Portugal

por Manuel Pereira Ramos
Jornalista

Foi preciso que Isabel II tenha falecido para que os dois reis, Felipe e Juan Carlos e as duas rainhas Letizia e Sofia tenham voltado a encontrar-se tornando possível ver a imagem dos quatro juntos, algo que já não sucedia, vai para três anos, desde o falecimento da Infanta Pilar de Borbón. Tudo sucedeu na abadia de Westminster durante as exéquias da monarca britânica, pensava-se que os dois casais ficariam separados, mas o protocolo ditou outra coisa e colocou-os no mesmo banco com a rainha Letizia ao lado do Rei Juan Carlos, algo que nem para uma nem para o outro terá sido a melhor companhia possível sabendo-se como se sabe como são distantes as suas relações. Aquele não era o momento nem o lugar para grandes mostras de carinho ou amizade, detetou-se sim um gesto de reprovação de Letizia ao sogro por este ter esboçado um sorriso, mas escassas ou nulas trocas de palavras numa situação incómoda, sobretudo para aos reis atuais, que certamente teriam preferido evitar uma proximidade que de alguma forma os pudessem ligar aos poucos abonatórios casos em que o Emérito se viu envolvido. Para evitar confusões, o Governo espanhol não se cansou de repetir, uma e outra vez, que Felipe II, a esposa e o ministro dos Negócios Estrangeiros eram os únicos que lá estavam a representar a Espanha.

Juan Carlos foi convidado não só por pertencer á realeza como também por ser ainda primo da finada á que, apesar das divergências sobre Gibraltar, lhe unia uma boa amizade. No entanto, talvez o mais prudente tivesse sido invocar o seu não muito bom estado de saúde para declinar o convite e evitar deslocar-se a um país onde ainda está em curso um processo judicial movida contra ele pela sua antiga amante Corinna Sayn-Wittgenstein Mas impôs-se o seu amor próprio, ‘eu não matei a ninguém’, e os conselhos dos seus mais diretos colaboradores, os mesmos que o terão instado a visitar a Galiza na Primavera passada, uma visita algo caótica que não gostou nada nem ao Rei Felipe nem a Pedro Sánchez. O certo é que, não tendo em Espanha nenhuma acusação legal, Juan Carlos deve ser livre não só de visitar o seu país quantas vezes quisesse como até viver nele como qualquer outro cidadão, mas tanto o Governo como possivelmente a reinante Casa Real, preferem que esteja longe sem qualquer interferência nem protagonismo no dia a dia da sociedade espanhola.

Mas, o forçado exílio em Abu Dhabi pode vir a criar, mais tarde ou mais cedo, um sério problema. Juan Carlos tem 84 anos, a idade não é o único fator que determina o falecimento dos seres humanos, todos dias morrem pessoas muito jovens, mas se até a longeva Isabel II acabou por perecer, o lógico é admitir que, quanto mais tempo passe, mais possibilidades tem o Monarca Emérito de um dia nos deixar, as leis da vida são as que mandam e a elas nem os Reis conseguem escapar. Daí que seja de admitir, como mais que possível, que um dia acordemos todos com a noticia da sua morte, desterrado num país árabe, algo que se vier a suceder, poderá será um desprestigio para o país e, sobretudo, para a já periclitante e com tantos problemas, Monarquia espanhola, um risco que tanto o Governo como o atual Rei parecem dispostos a correr convencidos de que, com as honras fúnebres que se lhe prestarão, em poucos dias tudo estará esquecido. Para minorar os efeitos negativos ainda se fala na possibilidade de permitir a Juan Carlos estar mais perto e fixar a residência em Portugal, uma hipótese que não parece ter muitos pés para andar parecendo, portanto, que Juan Carlos, está condenado a ter de viver en Abu Dhabi até final dos seus dias.

O que é mais provável que aconteça e que parece já estar acordado é que, quando o fatal desenlace se produzir, o corpo do Rei seja trazido de avião para Madrid, haverá um funeral de Estado e depois o tradicional ritual da sua entrega à comunidade religiosa que o terá à sua guarda no Panteão Real do Mosteiro do Escorial, primeiro durante uns anos no chamado ‘pudridero’ e depois já no sítio onde ficará para sempre. Juan Carlos, se isso acontecer, não será o único rei espanhol a morrer no exílio, o seu avô Alfonso XIII, faleceu em Roma e quarenta anos depois os seus restos fora transladados ao Escorial onde, apesar de nunca terem reinado, também repousam os do seu pai, o Conde de Barcelona e da sua mãe Maria de las Mercedes. Também, no Panteão dos Infantes, jaz o irmão, Afonso de Borbón, tragicamente falecido na casa familiar do Estoril num acidente com arma de fogo, Juan Carlos esteve nele envolvido e teve de suportar as consequências durante toda a sua vida. Enquanto a sua vez não chega, Deus salve ao Rei Juan Carlos I que, apesar dos graves erros que cometeu e que desiludiram aos muitos que o admiravam, nunca deixou de ser um grande amigo de Portugal.