O silêncio

Não posso deixar de reconhecer que estar calado, praticar o silêncio e focar-me no meu trabalho tem trazido mais valor para a minha vida do que o contrario.

por Miguel Dós

O silêncio, como o respeito, é bonito. Bem empregue, um aparelho vocal em repouso pode ser golpe fatal no adversário, um teletransporte para a meta, ou mesmo a mais eficaz mensagem. Confesso-lhe que nem sempre fui o mais eficaz utilizador disto que lhe falo, mas a vivência permitiu-me ajustar estratégia durante o percurso, e este artigo é uma partilha de alguns desses ajustes durante o meu percurso académico e primeiros empregos.

Sinto-me, desde que me lembro, um jogador de equipa. Demonstrava isso nos trabalhos de grupo e parcerias, via uma intensa participação no coletivo via partilha de muita informação e ideias, muitas vezes incessante. À medida que a qualidade da individualidade dos membros melhorou, fui sentindo que o que dizia era cada vez menos valioso para o grupo.

Penso que a razão pela qual tal acontecia nada tinha a haver com a qualidade do conteúdo que inseria para discussão, mas com a frequência com que o fazia. Experimentei o silêncio total, mas apenas resultou na exclusão da minha pessoa como valiosa para o conjunto. Participar menos vezes mas sempre que o conteúdo é muito valioso foi o critério que mais senti valorizar-me. O silêncio aumenta o valor daquilo que é dito e do seu autor.

Ao longo dos últimos anos pude ver vários líderes em ação, naturalmente unsmelhores que outros. A mesma condição, de líder, era gerada em cada um deles por razões diferentes: uns por serem um exemplo, outros por hierarquia, outros por lealdade pessoal, outros por medo. Nunca senti uma presença tão forte de uma pessoa no sucesso de uma equipa quanto aquela que presenciei com um líder carismático nas suas ações, que pouco falava.

O silêncio, acompanhado da ação, é gerador de legitimidade e foca a atenção do indivíduo e dos seus pares na execução. Além disso, promove confiança, reduz pressão e precipitação.

Infelizmente, há meio mundo a tentar passar a perna a outro meio. Alvos visíveis são, por esse motivo, mais fáceis de abater do que alvos desconhecidos. Já pude assistir na primeira fila uma empresa antecipar-se a outra, por ter tido mais recursos e agilidade para cancelar as oportunidades que foram dispostas à primeira. Sempre que o silêncio nas intenções e objetivos é mantido, o resultado não é impedido.

‘Falem agora, ou calem-se para sempre’ é uma expressão bem conhecida. Repetida mil vezes nos casamentos, é muito mais do que uma frase bonita. Demonstra muito claramente a importância não só do conteúdo, mas do momento em que se o verbaliza.

A legitimidade da mensagem depende diretamente do sentido de oportunidade, uma vez que o conteúdo deve ser partilhado a tempo de poder agir-se em função do mesmo. Até estar consumado, pode ser alterado. Quem não fala no momento certo, não tem legitimidade para falar depois. Pelo menos é o que sente a generalidade das pessoas.

Como jovem que sou, e pertencendo à geração a que pertenço, sinto uma certa necessidade de me expressar de variadíssimas formas, de me fazer ouvir, muitas vezes mais alto do que os demais. Contudo, não posso deixar de reconhecer que estar calado, praticar o silêncio e focar-me no meu trabalho tem trazido mais valor para a minha vida do que o contrário.