por Augusto Santos Silva
No passado sábado o Padre Edgar Clara dirigiu-me, nas páginas deste jornal, uma carta aberta em que me interpela diretamente sobre aquilo que considera ser uma atribuição coletiva de culpa aos membros do clero em virtude dos casos de pedofilia no seio da Igreja Católica portuguesa.
Tem razão o Padre Clara quando diz que é importante garantir que as pessoas não são alvo de injustiças no âmbito de processos de atribuição coletiva de culpas. Já afirmei publicamente e no contexto parlamentar, falando de outros grupos: não são legítimas atribuições coletivas de culpa. Acredito que este é não só um princípio essencial do Estado de Direito como é também um ensinamento do Antigo e do Novo Testamento, que o Padre Clara conhece certamente melhor do que eu.
É, de facto, fundamental distinguir pessoas de instituições. Isso é, aliás, condição essencial para que a justiça seja servida na devida medida, em pleno. Acredito também no valor que as instituições desempenham na nossa sociedade e naquilo que representam para a vida coletiva, para o bem-estar e para a paz social.
É por isso precisamente que as notícias que têm vindo a lume sobre os crimes praticados por membros do clero contra crianças ao seu cuidado não me têm demovido de participar em encontros e eventos organizados pela ou com a Igreja. Não confundo pessoas com instituições. No dia 14 de outubro presidi à sessão de abertura do Congresso Missionário ‘Fraternidade sem Fronteiras’, na Universidade Católica, a convite da Conferência Episcopal Portuguesa, e, no dia 17 do mesmo mês, estive em Fátima, onde falei para os muitos jovens de todo o mundo que ali se reuniram no Encontro Internacional Preparatório da Jornada Mundial da Juventude, que em 2023 acontece no nosso país.
Mas é, permita-me, também fundamental que as instituições, e com especial responsabilidade a Igreja Católica, continuem a tomar medidas para travar os cancros que grassem no seu seio. É este, parece-me, o caminho que o Papa Francisco tem vindo a procurar fazer dentro da instituição que dirige. É preciso mudar o que for preciso mudar; afastar pessoas e práticas indignas da instituição e da missão a que se propõe; trazer à transparência o que se quis esconder.
Os crimes de abuso contra crianças são tanto mais repugnantes quanto mais a instituição se aproveita do facto de as famílias lhe confiarem as suas crianças, num ambiente que julgam o mais seguro e são possível. Há muito que podemos fazer em sociedade, mas há também algum trabalho que, a este propósito, só mesmo a Igreja poderá fazer.