Um dos mais antigos personagens da Marvel Comics, que estreou em 1939, está a chegar aos cinemas. Namor existe há mais de oitenta anos e tem infinitas histórias já contadas. Contudo, só agora será possível conhecê-lo através das grandes telas. Black Panther: Wakanda Forever, Pantera Negra: Wakanda Forever chegará aos cinemas portugueses no dia 10 de novembro, marcando o encerramento da Fase Quatro do Universo Cinematográfico Marvel – grupo de filmes e séries de televisão de super-heróis americanos produzidos pela Marvel Studios com base em personagens que aparecem em publicações da Marvel Comics.
“Em Wakanda, a Rainha Ramonda, Shuri, M’Baku, Okoye e as Dora Milaje lutam para proteger a sua nação de potências mundiais, na sequência da morte do rei T’Challa. Enquanto os Wakandianos se esforçam para abraçar o próximo capítulo, os heróis unem-se com a ajuda de War Dog Nakia e Everett Ross para descobrirem um novo caminho para o reino de Wakanda”, lê-se na sinopse do filme de Ryan Coogler que terá como protagonista Ténoch Huerta. O artista é conhecido pelas suas atuações em filmes como Uma Noite de Crime – A Fronteira, de 2021, Sem Identidade, de 2009 e em séries como Narcos: México (2018 – 2021).
Quem é Namor? Agora, o ator e ativista mexicano de 41 anos que se define como “esquerdista”, interpreta Namor, o lendário herói subaquático, tornando-se assim, no primeiro mexicano a interpretar um personagem da Marvel na sétima arte, fazendo história no universo dos super-heróis. Segundo o Los Angeles Times, com a sua força aprimorada, velocidade e capacidade de voar, Namor é a definição de “um super-humano”. Contudo, em vez de ser retratado como um habitante de Atlântida, o personagem será o governante de Talocan – civilização submersa inspirada na cultura indígena da América do Sul. Ou seja, a escolha de Huerta foi surpreendente, pois fisicamente não corresponde ao personagem que interpreta, criado em 1939.
Durante uma entrevista à revista Variety, o ator deu a sua opinião relativamente à mudança, considerando-a importante: “É importante que as pessoas se sintam representadas no cinema. E essa mudança foi feita com muito respeito pela cultura mesoamericana, especialmente a cultura maia. É a raiz de quase toda a gente na América Latina. Temos raízes indígenas, raízes negras, temos algumas raízes brancas, mas é fantástico estar aqui e representar esse tipo de etnia. Acho que este filme traz a proposta correta para fazermos isso”, acredita. “É sem dúvida uma grande oportunidade, assim como uma responsabilidade! Não é que o meu personagem seja exatamente o primeiro super-herói latino, mas eu sou o primeiro cuja origem é uma cultura mesoamericana como a maia. Eu incorporo o primeiro super-herói radicalmente sul-americano”, afirmou ao El Mundo.
Segundo o jornal espanhol, os roteiristas transformaram o príncipe subaquático Namor criado por Bill Everett “numa espécie de sobrevivente anfíbio que Espanha deixou para trás em tempos de encontros e conquistas”. “Não se trata de dar voz a quem não tem”, continuou Huerta. “Temos a voz, o que não tínhamos era os microfones. Não se trata apenas de ocupar os espaços, mas de como eles são ocupados e que imagem e representação são alcançadas. Este filme gera espaço e representação digna, profunda e bela tanto da cultura afro-americana quanto da cultura americana original. Trata-se de abrir novos horizontes, novas realidades mais satisfatórias”, sublinhou.
Mas nem todos concordam. De acordo com o El Mundo, um cartoonista da Marvel Comics acabou por criticar a escolha, dizendo que “parece responder mais a interesses políticos do que narrativos”. “Podemos dizer que alguém estragou tudo quando um personagem de um filme parece pior do que o artista de 60 anos que o desenhou”, escreveu nas redes sociais.
Numa conversa com o The Verge, o ator mexicano disse ainda que o filme é uma forma dos latinos poderem olhar para a sua cultura e aceitar quem são, sem continuar a procurar aprovação constante dos outros: “Culturalmente estamos separados das nossas raízes indígenas. Abraçar essas raízes e honrar essas duas fontes – principais fontes na América Latina, que são as raízes africanas e indígenas – é realmente importante. Espero que isto ajude as pessoas a abraçarem quem elas são. Quem somos”, disse, acrescentando que o mundo acaba por nos ensinar “a ter vergonha de quem somos”.
A posição do ator Além de oferecer uma oportunidade de celebrar a cultura indígena numa escala tão grande, Wakanda Forever proporcionou a Huerta outro benefício. Numa entrevista à revista Life and Style, o artista chegou a confessar que não sabia nadar antes do início das filmagens e que inicialmente escondeu isso dos produtores – o que parece ser um problema se o objetivo é interpretar um personagem que respira debaixo de água e é o rei de uma nação subaquática. “Claro que eu não disse nada na época, porque eles não me dariam o papel. Tive de lhes explicar, através do meu advogado dos EUA, que é assim que os mexicanos funcionam. Nunca dizemos que não, depois vemos o que acontece”, detalhou. “Agora consigo prender a respiração durante cinco minutos”, acrescentou, embora Mabel Cadena, que interpreta uma das principais comandantes de Namor, Namora, detenha o recorde do elenco, conseguindo suster a respiração durante oito minutos
Além disso, o ator tem-se posicionado a favor de que a Espanha peça desculpas pelo seu passado na América, embora tenha esclarecido que o México “também deve refletir sobre a sua relação com as culturas indígenas”. “Sou um homem de esquerda! Como artista, temos de nos definir, se não o fizermos somos cobardes ou apenas um ornamento”, admitiu ao El Mundo. Huerta define-se, por isso, como “um defensor do revisionismo histórico”, que se refere a um futuro contrafactual (o que teria acontecido se?) bem como ao passado mais remoto. “É necessário olhar para a nossa história e chamar cada coisa pelo seu nome. Reconhecer que significado tem, que impacto e que feridas causou. E isso inclui apontar tanto o positivo quanto o negativo. Na história da Ibero-América, enfatizar sempre o positivo só serviu para encobrir tudo. O resultado é que esta acabou por negar a dor e, quando tu negas a dor das pessoas, estás a negar a sua existência, as suas feridas e tudo o que define a sua identidade”, explicou, acrescentando não se referir apenas ao legado espanhol, mas também ao México (seu país de origem) que, segundo o mesmo, “deve rever a violência que exerceu sobre as culturas indígenas”. Para si, a ausência de perdão pode não nos tirar o sono à noite, pois continuamos a viver. Contudo, em termos históricos, “talvez seja necessário pedir perdão”: “Pedir desculpas a uma pessoa nunca é demais. Nem que seja para construir novos caminhos de compreensão”, frisou ao jornal espanhol.
Huerta revelou que o que mais o atraiu no projeto foi a precisão e o rigor. Apesar do artista não falar maia, o seu personagem fala, “carregando o legado do que ele é e do que era”. De acordo com o ator, os meios infinitos com os quais a Marvel se movimenta contaram com a colaboração de vários professores na área. Foneticamente, palavra por palavra, o que se ouve é o vestígio eterno de uma língua antiga. “Não é apenas conhecimento académico, é cultura vivida”, alertou.
Numa entrevista à Total Film, Ténoch Huerta foi interrogado sobre o potencial do seu personagem para crossovers e spin-offs e este acredita que no futuro há espaço para contar mais histórias de Namor. “Espero que sim! Espero que sim! Porque quero um contrato maior! Quero mais zeros no meu contrato! Estou a brincar… A mitologia em torno de Namor é enorme. Podemos ser loucos com todo esse aspeto cultural e podemos criar muitas coisas com Namor, porque eles pegam numa fonte fantástica de histórias, mitologia e religião. Por isso, espero que eles decidam continuar com o personagem.
O produtor de Pantera Negra 2, Nate Moore, tem feito questão de elogiar o desempenho de Huerta. Além de o reconhecer como “um artista cheio de alma”, Moore também sugeriu o que o público pode esperar de Namor: “Ténoch é um artista tão cheio de alma e tanta coisa está a acontecer nos seus olhos e na sua linguagem corporal no filme…. Ele meio que emana esse poder e é de facto um personagem incrivelmente físico, mais poderoso do que qualquer outro. Quando escalámos Ténoch para o papel, realmente não fizemos audições a outras pessoas, porque estávamos à procura de uma certa qualidade que ele nos mostrou ter nos seus trabalhos anteriores”, acrescentou.
Na sua conta no Twitter, o ator mexicano define-se como “prieto” (escuro ou preto) e acrescenta o adjetivo, entre outros, “ressentido”. “Represento e dou voz a todos aqueles que foram historicamente marginalizados. A minha história pessoal é a de um filho de trabalhadores, identifico-me com os valores da classe trabalhadora. Não só me identifico como venho desse meio. Venho da periferia do poder mediático, fora do espaço de representação. E é por isso que agora sinto o poder e a responsabilidade de abrir mais espaços para mais pessoas como eu. Como o poder da palavra é o único que tenho, usarei a palavra para poder abrir as portas e apontar quais são os impedimentos. Esse é o meu compromisso. Um artista tem de ter um discurso e uma posição ideológica, política ou cultural. Um artista sem fala nem sequer é um artista. Um artista sem fala é uma pessoa que se dedica a enfeitar espaços. Palavra de Ténoch, palavra de super-herói”, remata.