Está oficialmente confirmado. Tal como o Nascer do SOL já tinha antecipado, a ex-ministra da Cultura Gabriela Canavilhas é a sucessora de Pedro Santana Lopes na presidência da Fundação Ricardo Espírito Santo Silva (FRESS)por indicação do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Edmundo Martinho.
O nome da nova presidente do conselho de administração da Fundação foi ontem comunicado aos trabalhadores, através de uma mensagem por email.
Constrangimento financeiro
Apesar da notícia da sucessão não ter gerado surpresa, uma vez que o nome já tinha sido anunciado pelo Nascer do SOL, a mensagem não deixou de geração forte reação de preocupação junto dos trabalhadores da FRESS, atento o cenário de crise financeira traçado no comunicado, que avança com a revelação da existência de um défice operacional de 30 % e uma dívida acumulada de 80% do seu orçamento anual. «O próximo ano afigura-se difícil considerando a inflação e o aumento dos custos operacionais da crise internacional», justifica a administração da fundação no mesmo email, a que o Nascer do SOL teve acesso.
Segundo uma fonte da FRESS, os trabalhadores já sabiam que a instituição se encontrava numa situação muito deficitária: «Sabemos que os professores não recebem salários: estiveram o ano passado sem receber e só este mês, em Setembro, é que receberam os ordenados. Um ano sem receber numa escola de artes e ofícios».
«Tememos que haja muitos despedimentos», alerta a mesma fonte, desabafando que «não queremos voltar ao ano 2014, momento em que o Banco Espírito Santo (BES) caiu e começámos a receber aos 100 a 200 euros, por mês, durante três anos». A preocupação surge também pelo facto de «nenhum dos contratos ter sido renovado». «As pessoas não viram os seus contratos renovados. Uma das últimas a sair foi a Cecília Carmo, filha do cantor Carlos do Carmo», contou ainda a mesma fonte.
'Não passam de boatos'
Foi no mês passado que Pedro Santana Lopes – o também presidente da Câmara da Figueira da Foz que exercia o cargo desde março de 2018 – abandonou a presidência da FRESS, por impossibilidade de continuar a acumular os dois cargos, sendo que a autarquia o obriga a estar a tempo inteiro na cidade, ou seja, longe da sede da fundação, em Lisboa. Além disso, nessa altura, o Nascer do SOL apurou que o timing escolhido por Santana Lopes para a concretização da saída de presidente da fundação teve também a ver com a criação de condições para a elaboração e aprovação do próximo orçamento já pela equipa que liderará este novo ciclo da instituição, com Gabriela Canavilhas à cabeça.
Ao mesmo tempo, pairavam ainda informações sobre um possível afastamento da família Espírito Santo da fundação. Recorde-se que, em 2016, a instituição passou a ser gerida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que assinou um contrato de parceria «para a viabilidade socioeconómica».
Mas, ao telefone com o Nascer do SOL, Maria João Bustorff, neta de Ricardo Espírito Santo Silva que desempenhou vários cargos de relevo na Fundação do avô, afastou por completo a possibilidade, garantindo que tais intenções atribuídas ao provedor da Santa Casa, Edmundo Martinho, «não passam de boatos».
Na altura, interrogada sobre todas essas alterações, a Santa Casa limitou-se a confirmar a saída de Santana Lopes e a adiantar que em breve seria anunciada a nova composição do Conselho de Administração da instituição.
Dentro da Fundação
A Fundação Ricardo do Espírito Santo Silva foi criada em 1953 em resultado da doação do Palácio Azurara, que hoje está classificado como Património Imóvel de Interesse Público, e parte da importante Coleção de Arte do seu Fundador, o banqueiro e colecionador Ricardo Ribeiro do Espírito Santo Silva. Conhecido principalmente como colecionador e mecenas, nasceu em Lisboa em 1900. Ao longo da vida, foi desde banqueiro e empresário, a poeta e artista e também grande colecionador, tendo sido considerado à época um verdadeiro «Príncipe da Renascença». Segundo o site da instituição, Ricardo Espírito Santo era visto por muitos como um «missionário», já que se dedicou fielmente a «reunir com coerência artística» e a trazer de volta a Portugal – comprando em leilões ou a colecionadores privados – um património artístico «único» que, pelas vicissitudes da história, foi disperso e, em alguns casos, considerado desaparecido.
Desde a sua criação que a fundação é constituída por um Museu-Escola das Artes Decorativas Portuguesas – com 16 oficinas de artes e ofícios tradicionais portugueses -, que se dedica à manutenção da arte do «saber-fazer» e à «preservação das técnicas especializadas das artes e ofícios tradicionais». O espaço tem também uma escola para ensino das artes, a Escola de Artes e Ofício, e ainda um Departamento de Conservação e Restauro, vocacionado para a conservação e restauro no domínio das artes decorativas.
Relativamente à coleção exposta, que é principalmente proveniente de compras em leilões nacionais e internacionais, leva os visitantes a uma viagem pelas Artes Decorativas do século XV ao século XVIII, que vão desde o Mobiliário, a Têxteis, Prataria, Porcelana Chinesa, Faiança Portuguesa e Azulejos, Pintura, Desenho, Escultura, Encadernação, etc.
Durante a sua curta vida (1900-1955), Ricardo Espírito Santo Silva reuniu uma coleção particular, a qual – juntamente com o Palácio Azurara – doou ao Estado para a criação de uma fundação que, além de ser também um museu de artes decorativas, possui oficinas dedicadas a preservar e ensinar práticas artesanais como o restauro ou a marcenaria. Hoje, instalada no edifício bordeaux das Portas do Sol decorado com Tuc Tuc’s amarelos, que estacionam habitualmente à entrada, criando um cenário que obriga qualquer turista a tirar uma fotografia, esta Fundação é considerada um património de grande importância para o país.