Mesmo que servisse só para esticar as pernas, o recreio já seria muito importante. Qualquer pessoa, depois de duas horas sentada numa cadeira, devia levantar-se e andar um bocadinho. Mas uma criança não é uma pessoa qualquer. É um ser com um intenso formigueiro característico, que vai esmorecendo à medida que cresce. Por isso é tão comum numa escola a seguir ao toque para o recreio ouvir um «Eeeeeeeeeeeeeehhhh!!!!!!» acompanhado de um levantar de braços e uma correria desenfreada. É que o nosso esticar de pernas para uma criança significa correr, saltar, pular, fazer o pino, gritar, rebolar, o que for preciso, não só para desentorpecer as pernas, mas sobretudo a alma. As crianças não têm bicho-carpinteiro. Se esse bicho significa irrequietude, então elas são o próprio bicho-carpinteiro! E durante as aulas às vezes têm até de fazer algum esforço para lutar contra a sua essência e ficarem quietinhas e sossegadas. Com o passar do tempo algumas começam a ficar irrequietas, a mexer-se na cadeira, a balançar-se, a tremer as pernas. Está na hora de sair! E até podem ficar mais tempo, se tiver mesmo de ser, mas a cabeça já vai estar noutro lugar.
No entanto, o recreio não serve só para esticar as pernas ou para fazer uma pausa, embora seja essencial e só ela possibilite não só a assimilação da matéria como o regresso às aulas em condições para aprender. O recreio é outro espaço de aprendizagem igualmente importante. É o espaço da relação, da descoberta do outro, de conhecer-se e dar-se a conhecer, de experimentar e de encontrar o seu lugar no grupo e no outro. É o espaço de ajudar e de ser ajudado. De aprender as dinâmicas dos grupos. De aproximação e afastamento, de criar amizades e de as fortalecer. Mas é também o espaço das zangas e dos conflitos, de aprender a geri-los, a evitá-los, a encontrar outras formas. É o sítio onde cada um se conhece e se descobre na relação com os outros, em que aprende a lidar com os outros. Em que faz amigos e também inimigos. Em que brinca e conversa, desabafa. Em que se liberta.
E é o espaço do exercício físico, das habilidades, da descoberta dos jogos. É o espaço em que às vezes lidera e outras é liderado, em que experimenta vários papéis. Em que ganha e perde. Em que festeja e aprende a lidar com a frustração. Em que dá asas à imaginação, em que cria brincadeiras e repete as antigas, em que explora, em que se diverte.
O recreio é um espaço físico, mental, emocional e relacional. É um espaço necessário e obrigatório, que não pode ser ocupado com trabalhos em atraso ou castigos. Devia ser tão proibido privar uma criança do recreio como privá-la de comer com o prato à frente. As crianças não aprendem mais por ficarem na sala a fazer mais exercícios, muito pelo contrário. Por um lado, a capacidade de concentração já não existe, fisicamente estão na sala mas o pensamento está lá fora com os amigos, por outro o sentimento de revolta e injustiça só vai contribuir para que seja a própria escola a ser vista como um castigo.
Se fosse só para esticar as pernas o recreio já devia ser obrigatório, mas é também retemperador, o que não só permite consolidar as aulas dadas, como viabiliza as posteriores e potencia um crescimento pessoal e uma aprendizagem que jamais seriam adquiridas numa sala de aula.