A Unidade de Sexologia e Género do Hospital de Santo António, no Porto, foi inaugurada há mais de um ano. No entanto, não está a trabalhar em disponibilidade plena em cirurgia plástica. A denúncia foi feita ao Nascer do SOL por um grupo de utentes que se sente indignado perante "o incumprimento deste compromisso público", pedindo que "os cuidados de saúde sejam prestados devidamente às pessoas transgénero".
"Não se percebe como é que exercem atividade clínica desde 2021 e a luta para que o bloco abra não termina", desabafam, garantindo que "o Conselho de Administração não dá apoio aos profissionais de saúde nem aos utentes nesta vertente" e, deste modo "a cirurgia continua a ser a grande lacuna" do projeto que, aquando da inauguração, prometia reunir dez especialidades – psicologia, psiquiatria, pedopsiquiatria, pediatria endócrina, cirurgia plástica, urologia, ginecologia, anestesiologia, endocrinologia e endocrinologia pediátrica.
Nessa altura, em maio do ano passado, a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade visitou a unidade, considerando que a mesma é “um passo muito significativo”. “Esta nova resposta que congrega dez especialidades está enquadrada no âmbito da estratégia para a saúde das pessoas trans, que lançámos em 2009, e era muito necessária na região Norte", disse. “Está é uma aposta que este Governo tem tido. Demos passos muito significativos este ano no sentido de erradicar a discriminação no acesso a dádivas de sangue. Este é mais um passo importante", sublinhou.
Para além de, na realidade, não existir uma lista de espera, "muitos de nós estamos prontos para cirurgia genital e aguardamos a mesma desde o início". "Quando a unidade começou, já fazíamos hormonoterapia há anos. Estávamos referenciados para esta cirurgia, não foi uma coisa recente", contam os utentes ao Nascer do SOL. "Alguns começam a ficar muito frustrados com esta situação", confessam os utentes.
"A Unidade de Sexologia e Género do CHUPorto iniciou a sua atividade em junho de 2021. A equipa é composta por endocrinologistas, cirurgiões plásticos, ginecologistas, pediatras, psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos, urologistas e terapeutas da fala, complementada com estágios de ultradiferenciação de alguns especialistas em Gante (Bélgica)", começa por explicar, em resposta ao Nascer do SOL, o Gabinete de Relações Públicas deste centro hospitalar.
"Foi implementada uma consulta de transição de medicina sexual e reprodutiva, em atividade clínica há 1 ano. Foram realizamos 150 primeiras consultas no âmbito da consulta multidisciplinar de medicina transgénero, 55 na consulta de grupo de medicina transgénero e 15 na consulta multidisciplinar de transição de medicina transgénero e reprodutiva", continua, salientando que "as avaliações e os tratamentos hormonais estão a decorrer a bom ritmo", assim como frisando que "relativamente aos procedimentos cirúrgicos, já foram realizadas mastectomias masculinizantes e histerectomias".
"As cirurgias de afirmação de género genital exigem um período de tratamento hormonal de um ano ou mais, pelo que apenas agora começamos a ter candidatos preparados para estas intervenções", adiciona, acrescentando que as mesmas "após tratamento hormonal, exigem a disponibilidade simultânea de binómios ultraespecializados 'cirurgia plástica/urologia', 'cirurgia plástica/ ginecologia' ou a conjugação das três valências'".
Assim, neste momento, o CHUPorto está a "trabalhar na disponibilidade plena em cirurgia plástica". "Em 2021, 4 cirurgiões rescindiram o contrato para dedicação a atividade privada, ficando no CHUPorto apenas o diretor de serviço. Solicitamos já a colocação de 4 cirurgiões plásticos, através de um concurso nacional (em fase tramitação), e estamos a procurar outras formas de colaboração, num mercado de trabalho com enorme escassez de cirurgiões plásticos", finaliza, efetuando um resumo logo de seguida.
"A consulta multidisciplinar esta montada e em funcionamento pleno", conta ao Nascer do SOL, apontando que "as avaliações endócrinas, psicológicas e psiquiátricas estão em ordem; os tratamentos hormonais estão em curso" e apontando que "as cirurgias de ablação de órgãos (mastectomias, histerectomias) estão a processar-se e as cirurgias reconstrutivas de afirmação, que começam agora a ser possíveis após um ano de tratamento hormonal, iniciar-se-ão brevemente".
"Esta unidade abriu com a premissa de assegurar procedimentos médicos e sobretudo cirúrgicos (a principal lacuna do SNS) a esta população", realçam os utentes, visivelmente revoltados. "E não existe ainda um tempo de bloco atribuído à unidade, pelo que as cirurgias genitais, tão aguardadas e prometidas desde a abertura da unidade, ainda não se iniciaram nem há perspetiva de quando se iniciarão enquanto o Conselho de Administração não permitir que a unidade tenha um tempo de bloco atribuído", terminam.