A atriz norte-americana Sharon Stone partilhou com os seus fãs que recebeu «outro diagnóstico errado e procedimento incorreto», tendo pedido «uma epidural dupla» para se ver livre da dor. Nas stories do Instagram, na terça-feira da semana passada, a artista encorajou os seguidores a procurarem segundas opiniões médicas depois de ter descoberto que tinha um «grande tumor fibróide» no corpo. À medida que as dores se agravavam, procurou uma segunda opinião de um médico diferente que revelou que ela tem «um grande tumor fibróide que deve sair». Tal acontece 21 anos depois de ter sofrido uma hemorragia cerebral e um derrame que quase a mataram. A estrela de ‘Total Recall’ dirigiu-se diretamente às mulheres escrevendo: «Mulheres em particular: não se deixem levar. OBTENHAM UMA SEGUNDA OPINIÃO. Isso pode salvar as vossas vidas».
Stone disse que ficaria «deprimida por 4-6 semanas para ter uma recuperação completa» e agradeceu aos fãs pelo cuidado, acrescentando: «Está tudo bem». Esta não é a primeira vez que a atriz de ‘Sliver’ fala publicamente sobre os seus problemas de saúde. A título de exemplo, na sua autobiografia de 2021, ‘The Beauty of Living Twice’, explicou que, em 2001, tumores benignos foram removidos do seu corpo, garantindo que os mesmos eram ‘gigantescos’ e maiores que o seu próprio peito. Para entender melhor a perspetiva de Stone, a LUZ falou com Daniel Pereira da Silva, médico ginecologista cujas áreas de diferenciação são a cirurgia ginecológica e a cirurgia ginecológica-oncológica.
«Os miomas são tumores que se desenvolvem a partir das fibras musculares que estruturam o útero da mulher. São tumores benignos, desenvolvem-se a partir das hormonas sexuais produzidas pelo ovário – daí que sejam tumores que se desenvolvem durante até à menopausa -, não têm tendência a aparecer após a menopausa – regridem depois dessa fase. Por vezes, em situações raras e excecionais, os miomas podem ter um comportamento um bocado bizarro: a crescerem rapidamente, a terem um crescimento um bocado diferente, etc. e suspeitamos que possam ser sarcomas», começa por explicar o profissional de saúde que trabalha no Hospital CUF Coimbra, sendo Coordenador da Unidade da Mama daquela instituição hospitalar. «Felizmente, essa possibilidade é mesmo muito rara. Por volta dos 50 anos, 75% das senhoras têm miomas: sintomáticos ou assintomáticos. Podem ser de milímetros, centímetros ou de volumes consideráveis».
«Agora, a Sharon Stone, aos 64 anos, tem um mioma muito avançado e, na idade dela, é claro que suspeitamos de uma transformação maligna a não ser que tome hormonas que o ovário deixou de reproduzir porque ele está a sofrer os estímulos hormonais. Fora dessas circunstâncias, tal não é próprio», esclarece. «A pílula já não se adequa a essas idades, mas a mulher que tenha afrontamentos, por exemplo, pode fazer uma terapêutica para melhorar a sua qualidade de vida como hormonas bioidênticas à progesterona e ao estrogénio naturais. A maioria das mulheres que tem miomas… Se não for ao médico, se não for observada, se não fizer uma ecografia… Nunca saberá que os tem», diz o médico que foi Diretor do Serviço de Ginecologia do IPO de Coimbra, entre os anos de 1996 e 2013, tendo desempenhado igualmente funções enquanto Presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.
«Cerca de 40%, contudo, dão e alguns são muito graves porque provocam hemorragias intensas que são desvalorizadas. Pensam que estão mais cansadas e debilitadas e vão parar às urgências com descidas súbitas da tensão arterial e vemos como está a hemoglobina, está com uma anemia grave… E porquê? Porque se foram adaptando a esta situação», lamenta Daniel Pereira da Silva. «Mais raramente, mas também acontece, para além das hemorragias, há dor na pélvis, sente-se peso na barriga. Quando eles são de maior volume e crescem para fora do útero, perturbam o funcionamento dos órgãos vizinhos. Por exemplo, da bexiga, obrigando a urinar mais vezes», avisa. «Também é importante lembrarmos que as mulheres programam a primeira gravidez para cada vez mais tarde, por exemplo, a partir dos 40 anos, e quando fazem a ecografia ginecológica, para saberem se está tudo bem, verificam que têm miomas e podem não só impedir a gravidez como criar dificuldades, serem a causa de um parto prematuro, etc.».
«Quanto às hemorragias, não quero acreditar que um profissional de saúde as desvalorize, mas em relação às dores… Nomeadamente, àquelas que têm a ver com a menstruação… São desvalorizadas, sim. Há todo um alerta, mesmo da Sociedade Portuguesa de Ginecologia, para que a dor seja tida em conta. Não existem ‘dores normais’: a dor é anormal per si, é incapacitante, perturba o quotidiano a todos os níveis, não é admissível. Tem de ser controlada. A dor é aquilo que a mulher sente e não aquilo que eu acho que ela deve sentir: isso seria absurdo», continua o médico, indo ao encontro da ótica de Mariana, Inês e Rita, que falaram com o jornal i.
Em maio, o i explicou que Mariana Morais tem a menstruação há quase 12 anos e não se lembra de viver um único dia desse período habitualmente compreendido entre 3 e 8 dias sem dores. «Quando descobri que tinha endometriose, já tinha vindo a sofrer muito de dores e cólicas menstruais, desde o momento em que me apareceu a primeira menstruação, aos 13 anos», começou por revelar a jovem. O problema «foi agravando após ter estado com covid-19 e, principalmente depois de ter tomado a primeira dose da vacina», continuou. «A partir daí as dores ficaram cada vez mais intensas e insuportáveis». No final de abril a rapariga de 24 anos foi submetida a uma intervenção cirúrgica por já não suportar mais as dores incapacitantes que sentia e estar em risco de vida.
«Quando me foi diagnosticado o endometrioma no ovário esquerdo, este tinha apenas 2,5cm, e a médica que me acompanhava nessa altura foi super sincera e deixou-me muito tranquila. Eu sabia o que era a endometriose, mas não tinha conhecimento da sua ‘gravidade’ ou da complexidade», avançou a estudante de Ciências da Nutrição. «Naquela altura, a única coisa que me vinha à cabeça era: ‘Ok, isto afeta a fertilidade das mulheres, mas não de todas, e eu sou super nova, nem sequer quero ser mãe agora, por isso quando for mais velha penso nisso’».
«Os sintomas começaram a agravar no fim de janeiro deste ano, pois o endometrioma, a cada dia, crescia imenso, sem razão aparente. No entanto, assim que troquei de pílula e comecei a tomar duas ao mesmo tempo deixei de ter dores. Pudera, que bomba hormonal!», observou. «Até fins de fevereiro a minha vida foi um inferno: noites sem dormir, dias exaustivos, ansiedade, tristeza e tudo o que havia de mais depressivo passava-me pela cabeça. Não só pelo meu sofrimento, mas por estar a causar sofrimento à minha mãe por tudo aquilo a que ela estava a assistir», acrescentou. Nesse mês, foi a «consultas atrás de consultas» e fez exames, expôs o caso a especialistas, foi às urgências e, resumidamente, «recorreu a tudo aquilo que podia recorrer».
O caso de Inês Fernandes é distinto, mas com muitos pontos de encontro. «A adenomiose foi-me diagnosticada muito recentemente. Sempre sofri imenso com dores menstruais muito fortes, nem conseguia ir à escola no primeiro dia da menstruação. Sobretudo, no inverno. Depois, à medida que fui crescendo, tinha de tomar medicamentos para estar minimamente funcional. Mas, na altura, não se falava disto e achava que era normal», recordou. «O ginecologista dizia que era tudo normal, prescrevia pílulas» com as quais Inês não se «dava nada bem» e tudo continuou assim até a irmã mais nova começar a ter problemas digestivos «muito graves» e ter sido diagnosticada com endometriose.
«Comecei a desconfiar que tinha algo mais. Disse à ginecologista que a minha irmã tinha sido diagnosticada, que havia toda uma componente genética e queria fazer os mesmos exames. Foi absolutamente horroroso e veio o diagnóstico: é adenomiose. Neste momento, tomo uma pílula que faz com que não tenha o período. Durante muitos anos, não queria tomar. É que tomava durante um mês e não aguentava mais», lastimou Inês, notando que, enquanto se é estudante, «é mais fácil faltar às aulas do que, posteriormente, faltar ao emprego».
«Quando veio o diagnóstico da adenomiose, a minha ginecologista assustou-me um bocado: ‘Se queres ser mãe, é melhor seres já’. Eu sei lá! Fiquei em pânico porque ela disse-me que engravidar ia ser difícil. Procurei uma segunda opinião, fui a uma médica especialista em endometriose». Esta acalmou-a, clarificando que deve ser mãe jovem como todas as outras mulheres simplesmente «porque quanto mais tarde, mais difícil é» e não devido à patologia.
Quem tem a mesma experiência, mas não um diagnóstico efetuado é Rita Domingues, estudante de Engenharia Biomédica, de 23 anos. «Sempre tive muitas dores, incapacitantes mesmo. Disseram-me que era normal e, ultimamente, nas redes sociais, tenho visto que se fala cada vez mais neste tema. Fiquei assustada. Tive consulta com a médica de medicina geral, na semana passada, ela disse que era normal», adicionou, elucidando que tem esperança de fazer mais exames para obter um diagnóstico.
«Dobrava as pernas, virava-me para todos os lados… Houve uma vez em que pedi ao meu pai para me ir buscar à escola porque não aguentava as dores. Devia ter uns 13-14 anos. Também dizem que se tem mais dores ao princípio, mas tenho período há anos e continuam. Comecei a tomar a pílula, as dores melhoraram, tudo melhorou muito com o anel vaginal, mas não é bom para a acne. Punha uma botija de água quente: ajudava muito e ficava os dois primeiros dias a tomar comprimidos e deitada. Fazer a vida normal, nem que fosse andar, era horrível», declarou. «A botija tinha de estar mesmo a escaldar, mas nunca cheguei a queimar-me».
«Tal como tem de se dar atenção à dor, cada vez se reforça mais a importância das atitudes preventivas. Se vou fazer um procedimento, tenho de avisar. Não existe Medicina com dor e pela dor. Isso seria masoquismo», salienta Daniel Pereira da Silva. «Hoje em dia, ninguém prega o sofrimento: queremos que as pessoas vivam bem. Há tantos casos de endometriose, adenomiose, etc. que são diagnosticados tão tardiamente. As mulheres podem não ter uma doença quando sentem dor ao ter a menstruação, mas sentem a dor de qualquer forma! Agora, a nuance está nisto: pode ser sinal de uma doença subjacente».
«Se eu, médico, não pensar nesta possibilidade de diagnóstico, não trato da dor nem da doença o mais precocemente possível. Hoje, os médicos mais jovens, são alertados para a importância daquilo que vão fazer. Imaginemos, se vamos fazer um exame ginecológico, temos de explicar tudo. Um bom exemplo disso é a introdução do espéculo vaginal: se avisar a mulher de que o farei, ela relaxa, está preparada, tem noção de que a estou a manter a par do processo», adiciona. «Eu, falando por mim, não fazia isso: tenho outra idade e aprendi de outro modo», admite.
«Mas eles é que fazem bem. Se não o fizermos desta forma, as pessoas ficam a achar que os exames e, consequentemente, as consultas são invasivos e ficam com medo de regressar. E as experiências que são transmitidas de boca em boca, nas redes sociais, nos órgãos de informação, etc. serão sempre negativas».