por João Sena
A ponte sobre o rio Tejo começou a ser construída há precisamente 60 anos, mas a ideia de ligar as duas margens é bastante mais antiga. O primeiro projeto data de 1876, quando o engenheiro Miguel Pais lançou a ideia de construir uma ponte, essencialmente de cariz ferroviário, entre Lisboa e o Montijo. Mais tarde, em 1888, o americano Lye propôs que a ponte fosse construída entre o centro de Lisboa (Chiado) e Almada e, no ano seguinte, dois engenheiros franceses propuseram a ligação rodoviária e ferroviária entre a zona da Rocha Conde de Óbidos e Almada. No decorrer do século XX, o governo português recebeu várias propostas para ligar as duas margens, todas elas foram preteridas a favor da ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, que foi inaugurada em 1951. Somente em 1953 o governo criou uma comissão com o objetivo de apresentar uma proposta rodoviária e ferroviária que ligasse Lisboa à margem sul do Tejo, e, em 1958, foi, finalmente, decidido construir uma ponte. Foi aberto concurso público internacional onde foram apresentadas quatro propostas. A obra foi adjudicada, em 1959, à empresa americana United States Steel International pelo valor de 1 764 190 contos. O projeto inicial compreendia a construção de uma ponte entre Alcântara e Almada composta, na parte superior, por um tabuleiro para a circulação rodoviária e, na parte inferior, por uma plataforma para a circulação ferroviária. Mais tarde, o governo decidiu que a ponte fosse construída apenas para a circulação rodoviária com duas faixas em cada sentido. Finalmente, a 5 de novembro de 1962 iniciou-se a construção da ponte, uma das mais emblemáticas obras de engenheira em Portugal, que atravessa o estuário do Tejo na parte final e mais estreita, designado o gargalo do Tejo.
Lisboa diferente
A 6 de agosto de 1966 (seis meses antes do previsto), Lisboa acordou com uma vista diferente. A ponte sobre o rio Tejo foi inaugurada com pompa e circunstância pelas altas individualidades políticas e religiosas da altura com o nome de Ponte Salazar, e teve 12 mil convidados a assistir. Passados 90 anos, o sonho de construir uma ponte na região de Lisboa tornara-se realidade. Em setembro de 1974, o governo alterou o nome para Ponte 25 de Abril, que ainda hoje se mantém. O projeto custou dois milhões e duzentos mil contos, e foi praticamente todo financiado pela banca estrangeira, nomeadamente norte-americana. Esse valor ajustado à inflação nos dias de hoje daria qualquer coisa como 950 milhões de euros, um valor superior ao custo da Ponte Vasco da Gama que foi de 900 milhões de euros.
Ao deixar a margem sul do Tejo, os condutores descobriram outros horizontes e uma nova vista da cidade de Lisboa, mas isso era um luxo caro, já que no dia da inauguração a portagem custava 20 escudos (10 cêntimos). Em 1996, um veículo ligeiro já pagava 150 escudos (75 cêntimos), e o aumento mais significativo aconteceu, em janeiro de 2002, quando os ligeiros passaram a pagar um euro. O primeiro carro a atravessar a ponte foi um Austin Seven e, nas primeiras dez horas, mais 50 mil carros fizeram a travessia. Atualmente, é utilizada diariamente por cerca de 300 mil utentes, por rodovia e ferrovia. As consequências resultantes dessa travessia não se fizeram esperar, e deu-se uma explosão urbanística na margem esquerda do rio Tejo (de Almada a Setúbal), estimulando o crescimento económico e turístico do sul de Portugal.
Foram 45 meses de intenso trabalho para construir, à data da inauguração, a quinta maior ponte suspensa do mundo, inspirada na ponte Golden Gate, em São Francisco. Estiveram envolvidos na construção diariamente cerca de 3 000 operários de 14 empresas, 11 eram portuguesas. Além da estrutura em aço, o projeto incluía um troço de autoestrada com 1,5 quilómetros, um viaduto na zona de Alcântara com 950 metros, construído por 11 pilares em betão armado, e um túnel com 600 metros na margem sul destinado a receber a plataforma ferroviária. No dia 10 de janeiro de 1963 foi lançado à água o primeiro ‘caixão’ (um enorme bloco de aço colocado ao alto) que assentou no leito do rio e serviu para receber o pilar sul da ponte. Com as fundações criadas e as duas torres construídas, a partir desse momento foi sempre a acrescentar. A construção da ponte obrigou à escavação de 6,6 milhões de m3 de rocha e solos, consumiu 300 mil m3 de betão e 82 mil toneladas de aço.
A obra nasce
As torres em aço, construídas por dois montantes principais, medem 190 metros de altura, ficaram a 483 metros de cada margem e assentaram em rocha basáltica a mais de 80 metros de profundidade. Cada torre demorou mais de quatro meses a ser instalada, os dois cabos principais pesam oito mil toneladas e a viga de rigidez foi construída por secções de 300 toneladas que foram transportadas por barcaças e içadas uma a uma. Foram lançados dois passadiços de cada um dos lados das torres para a deslocação dos trabalhadores e facilitar a construção dos cabos principais. Esses cabos têm 56,8 centímetros de diâmetro e são construídos por 11 200 fios de aço com cinco centímetros de diâmetro. O tabuleiro tem um comprimento total de 2 280 metros, fica 70 metros acima do nível da água e está preso por grandes cabos de aço que estão amarrados a dois blocos de betão em cada uma das margens. O tabuleiro foi construído por longarinas e carlingas de aço onde foram montados painéis também em aço. Uma parte do pavimento é em grelha aberta para diminuir a resistência da ponte ao vento. Apesar da sua imponência, tem uma estrutura dinâmica e flexível. É resiliente ao vento e aos movimentos tectónicos, e o tabuleiro tem uma flexibilidade nas extremidades até 1,5 metros. A opção ferroviária só viria a ser concretizada em julho de 1999 com duas linhas eletrificadas, que permitem a passagem de 157 comboios diários.
A nível de segurança, os engenheiros responsáveis pela construção da ponte realizaram estudos exaustivos para conseguir uma boa resistência à oscilação. É que 20 anos antes, a ponte de Tacoma, nos Estados Unidos, ruiu quatro meses depois da sua inauguração devido à oscilação do tabuleiro causada pelo vento. No caso da ponte sobre o Tejo, O diretor do Gabinete da Ponte Sobre o Tejo, José Canto Moniz, disse que o sítio mais seguro para se estar em Lisboa em caso de sismo era em cima da ponte. Oficialmente, foram registadas quatro mortes nas obras de construção, embora quem esteve envolvido no projeto tenha afirmado que foram 11 as vítimas mortais. Um número que ficou muito aquém do que indicavam as estatísticas. O engenheiro Canto Moniz afirmou em entrevista à Gazeta dos Caminhos de Ferro que “por cada fração de 30 mil contos gastos nos trabalhos, há, em média, um morto. Para a Ponte sobre o Tejo era de admitir um total de 60 mortos”.