No passado dia 10 de outubro estive no lançamento do livro da minha colega Isabel Galriça Neto, que me dirigiu um honroso convite, impossível de recusar. O título da obra Da Ciência, do Amor e do Valor da Vida parece-me particularmente feliz e a mensagem que transporta consigo diz bem daquilo que está em causa. A Ciência, que estuda a complexidade dos problemas, o Amor, o sentimento mais bonito do ser humano, sempre presente no mais íntimo de cada um de nós, e o Valor incalculável da Vida humana pela qual nós, médicos, lutamos sem fim.
Não quero falar pormenorizadamente deste livro, não só para não tirar o interesse a quem o ler mas também por não me competir a mim fazê-lo. Porém, recomendo a todos que o leiam para depois poderem tirar as devidas conclusões.
Acima de tudo, o que quero deixar bem claro é que me associo à luta que a Dra. Isabel tem travado ao longo do tempo pela defesa da vida, destacando em particular o seu trabalho nos cuidados paliativos – aos quais, como ela própria tristemente reconhece, só uma pequena percentagem de portugueses tem acesso.
E é bom ter presente que a causa que ela defende não é só dela, nem dos médicos, nem dos enfermeiros, nem do pessoal ligado à saúde, nem dos governos, nem da Segurança Social. É de todos nós. Ninguém se deve autoexcluir deste problema, e só em conjunto e com a colaboração e a ajuda de todos podemos encontrar soluções. Mais: a sociedade deve procurar caminhos e envolver-se nesta cruzada, pois de um momento para o outro qualquer de nós pode ser ‘contemplado’ com uma situação trágica que, repentina e inesperadamente, caia sobre si ou sobre a sua família.
Já aqui abordei o problema através de dois artigos – Valha-nos Santa Bárbara e O direito à Saúde é mesmo para todos? – que, a avaliar pelas mensagens recebidas, mexeram com as pessoas. Mas não podemos ficar por aqui. É preciso ir mais longe. É preciso trabalhar e, mais importante, não desistir. Quem dispõe de seguros de saúde terá, sem dúvida, a vida mais facilitada; mas aquilo que deve preocupar a sociedade são os outros, talvez a maioria, os que não podem pagar e não têm alternativa num país como Portugal, onde os salários são baixos e o SNS não consegue chegar a todos.
Apostar a fundo em cuidados paliativos e continuados é muito dispendioso e os grandes investimentos estão mais virados para os hospitais de ‘agudos’ do que para os de retaguarda, dos quais se sente a falta dia após dia. E depois? Que fazemos aos seres humanos no final de vida? Se em casa não podem ser tratados e os hospitais os rejeitam, vamos abandoná-los? Como não produzem, já não fazem falta e são descartáveis? Perante um problema grave, em vez de o tentarmos resolver a solução está em acabar com as pessoas? Vamos dar as mãos e fazer qualquer coisa, por mais pequena que seja, em nome da ‘Ciência, do Amor e do Valor da Vida’.
E, graças a Deus, há bons exemplos nesta sociedade! Partilho este, de que tive conhecimento por acaso, deixando os comentários ao cuidado de cada um. Um doente idoso foi tratado em devido tempo por um médico num hospital público a uma doença oncológica a nível do cólon. Na altura, fez-se o que era possível, mas a situação foi-se agravando, consequência do avanço da doença. Então o paciente foi procurar o médico que o tinha tratado no hospital, mas para surpresa sua não o encontrou, pois estava fora do serviço público. Desesperado, conseguiu encontrá-lo cá fora – nem sei como – numa fase em que já não se ia a tempo de qualquer tratamento curativo. Sem poder fazer muito mais, este meu colega, discretamente, conseguiu interná-lo numa unidade privada, onde veio a acabar os seus dias, suportando o médico do seu bolso todos os custos do internamento, «para que ele não morresse como um indigente».
Aqui fica a minha homenagem ao colega pelo seu ato solidário e de profunda humanidade! Mais do que isso: um verdadeiro exemplo que, no silêncio, falará sempre ‘Da Ciência, do Amor e do Valor da Vida’!