por Nuno Melo
Recentemente, dirigindo-se à ministra da Coesão Territorial Ana Abrunhosa, o Presidente da República disse que estaria «muito atento» à execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), garantindo que não perdoaria uma eventual falha. A questão, contudo, é que já não restam grandes dúvidas acerca do desastre na sua execução, o que equivale a dizer da certeza dessa falha.
O PRR tem um valor de 16.644 mil milhões de euros, fundamentais para Portugal. Mas aqui chegados, de acordo com a Estrutura de Missão Recuperar Portugal, a taxa de execução é de apenas 6% (resultado da média de 4% das verbas para a Resiliência, 8% para a Transição Climática e 15% para a Transição digital).
O PRR tem de ser utilizado até 2026. Significa que já decorreu 1/3 do tempo disponível para o efeito, devendo sublinhar-se que no dia 11 de novembro, o Comissário Europeu para a Economia Paolo Gentilonie, depois de rever em baixa as previsões de crescimento para o próximo ano, mostrou pouca abertura para a renegociação dos prazos de execução. Com o ritmo atual, diga-se, será praticamente impossível atingir uma taxa de execução do PRR próxima de 100%, em 2026,
Por seu lado, para além do erro conceptual grosseiro, mesmo as inexpressivas verbas reservadas para o setor privado estão executadas em valores ridículos. Só cerca de 10%, equivalentes a perto de 100 mil euros chegaram ao setor, tendo a Associação Empresarial de Portugal denunciando que «a demora na aprovação das candidaturas já está a fazer empresas desistirem dos investimentos e afastar-se dos consórcios que integravam».
Recorde-se a propósito, pela eloquência crua do exemplo, como tendo estado selecionada para receber 40 milhões de euros, uma só empresa esgotaria 52% dos 77 milhões de euros de apoios destinados à recapitalização. No PRR quase tudo é público, apesar da evidência de que o motor da economia em Portugal está no setor privado.
A propósito, para que se compreenda bem a diferença e se tenha noção, em Espanha, relativamente ao programa equivalente ao PRR (España Puede), o país já recebeu 44,6%, do valor de 69.51 mil milhões de euros. Portugal, para nossa vergonha, viu decidido um único pedido de pagamento de cerca de 1,16 mil milhões de euros, tendo outro de valor aproximado ainda em apreciação.
Quer isto dizer que, depois de desperdiçar a oportunidade de desenhar um programa capaz, que enfrentasse as circunstâncias difíceis da economia de guerra, o Governo socialista guardou para as empresas privadas, no pico superior, a maior taxa de IRC da OCDE, e desaproveita, por incompetência, parte substancial dos muitos milhares de milhões de euros que, por motivo ideológico, decidiu cativar para o setor público.
Provavelmente, então, não estará em causa saber se o Presidente vai perdoar ou não o Governo, mas sim qual o castigo político que há muito se justifica relativamente a ele.