Por João Cerqueira
Nos anos 60 do século XX, surgiu um movimento estético denominado de Arte Conceptual. Tendo como ponto de partida os ready-made de Marcel Duchamp, os artistas conceptuais consideraram que o conceito de obra de arte era mais importante do que a sua materialização física. A definição da obra, a linguagem que enuncia as suas características, tornava-se a própria obra de arte. Assim sendo, esta poderia até deixar de existir. Bastava escrever um texto a dizer algo semelhante a isto: «Esta pintura é assim e assado…». Para que os apreciadores de arte moderna não ficassem ainda mais baralhados do que já estavam, o artista Joseph Kosuth mostrou, simultaneamente, um texto com a definição de cadeira, uma fotografia de uma cadeira e, por fim, a própria cadeira. E não consta que ninguém se tenha sentado no texto ou na fotografia.
Esta introdução vem a propósito da recente demissão do secretário adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves. Na qualidade de autarca de Caminha, entregou trezentos mil euros como adiantamento a uma empresa que deveria construir um Centro de Exposições Transfronteiriço – este nome, só por si, é uma obra de arte. Porém, passaram dois anos e o Centro ainda não começou sequer a ser construído pela tal empresa que, afirma a SIC-Notícias, não tem funcionários. Levantou-se, então, um coro de indignação a exigir explicações a Miguel Alves.
Ora isto acontece em Portugal por causa do desconhecimento generalizado do que é a Arte Conceptual. Miguel Alves, pelo contrário, conhece bem o tema e decidiu aplicar os princípios conceptuais à política. Como tal, considerou que era mais importante criar a ideia de que iria construir um Centro de Exposições Transfronteiriço do que construí-lo. Com este rasgo visionário, o antigo autarca conseguiu não apenas poupar milhões de euros à Câmara de Caminha, como ainda iniciar os caminhenses e, no fundo, todo o povo português nos mistérios e na beleza da Arte Conceptual. Tendo lançado a ideia, possibilitou a qualquer cidadão imaginar de acordo com os seus critérios estéticos como deveria ser o tal Centro de Exposições Transfronteiriço.
Apesar da maquete virtual, deve ter havido quem o imaginasse com as características das obras de Siza Vieira; quem o imaginasse pós-moderno, colorido e revivalista; quem o imaginasse como uma casa de emigrante com azulejos verdes e um portão de ferro encimado com dois leões; e ainda quem vislumbrasse uma espécie de galinheiro gigantesco com perus lá dentro. Chama-se a isto democratizar a política e envolver o povo na cultura – algo que o atual ministro ainda não conseguiu.
Assim se compreende melhor o motivo de António Costa o ter chamado para o Governo: viu nele um aprendiz talentoso. Porque o primeiro-ministro é o grande mestre da política conceptual, o Joseph Kosuth das ideias de governação que nunca passam do papel. Tendo definido como prioridade do seu Governo o crescimento económico e a diminuição da pobreza em Portugal, o primeiro-ministro logo percebeu que para conseguir tais objetivos teria de realizar um conjunto de reformas tão vasto e radical que iria deixar a sua base eleitoral furibunda. Retirar o Estado da economia, reduzir o número de funcionários públicos, despedir boys and girls, diminuir os impostos e perder receitas – tudo isso iria provocar uma revolta dos que beneficiam do sistema que afastaria o PS por muitos anos do poder. Assim sendo, é muito mais inteligente tomar medidas conceptuais. Vamos pôr a economia portuguesa a crescer, vamos impedir que os jovens qualificados fujam para o estrangeiro, vamos acabar com a pobreza, vamos tornar todas as pessoas felizes e garantir que o Benfica continua a ganhar ao Porto.
Como?
Ora, que cada um faça uso das suas potencialidades conceptuais e se imagine a comprar uma casa e um carro novo sem pedir empréstimos ao banco, a jantar fora todos os dias em restaurantes com estrelas Michelin, a namorar com a Ana Moura, a viajar pelo mundo em primeira classe e a assistir num camarote ao Mundial do Qatar, ou, para os menos imaginativos, apenas a encher o carrinho no supermercado sem olhar aos preços. O primeiro-ministro optou por esta solução conceptual e, até agora, tem sido bem sucedido.
Demais, para reforçar a sua crença na política conceptual, nomeou para ministra do Estado e da Presidência alguém que não passa de um conceito, que não existe politicamente. Mariana Vieira da Silva existe, realmente, como pessoa – aliás, uma senhora estimável e bondosa – mas, como governante, é mais uma obra de arte conceptual. Aliás, Portugal cada vez mais se assemelha a uma ideia de algo que não existe, nem nunca existirá.