Foi a voz de algumas das mais icónicas músicas de Cuba, como ‘Yolanda’ ou ‘Amo Esta Isla’, assim como um dos embaixadores culturais da revolução de Fidel Castro. Pablo Milanés morreu em Madrid, esta segunda-feira, aos 79 anos, depois de, em novembro, ter sido hospitalizado devido a uma série de infeções recorrentes de uma doença hemato-oncológica.
“É com grande dor e tristeza que lamentamos informar que o Maestro Pablo Milanés faleceu”, escreveram representantes do artista numa publicação na sua conta oficial de Facebook. “Agradecemos profundamente todas as demonstrações de amor e apoio à sua família e amigos neste momento tão difícil. Que ele descanse no amor e na paz que sempre transcendeu. Ele ficará para sempre em nossa memória”, pode ler-se no perfil do músico.
Milanés nasceu em Bayamo, em Havana, no dia 24 de fevereiro de 1943, no seio de uma família da classe trabalhadora, o mais novo de cinco irmãos. Após a mudança da família para a capital, estudou no prestigiado Conservatorio Municipal de La Habana. Apesar disso, sempre apontou o talento cru dos músicos que viviam no seu bairro como a sua maior inspiração.
Considerado um prodígio nas escolas de música de Cuba, desde muito novo firmou-se no mundo da música, marcando presença em diversos concursos de rádio e de televisão e tornando-se um membro ativo no círculo musical “boémio” de Havana.
Trabalhou com músicos como Silvio Rodríguez e Noel Nicola, uma “aliança” que ficou conhecida como os fundadores da “nueva trova cubana”, um movimento musical que “misturava letras politizadas com narrativas musicais”, descreve Charisma Madarang, na Rolling Stone. Acabaria por ser considerado a “alma musical da esquerda latino-americana e do seu movimento revolucionário”, escreve o El País.
Apesar de ter apoiado a Revolução de 1959, Milanés foi por diversas vezes alvo das autoridades durante os primeiros anos do governo de Castro, inclusive por usar um estilo de penteado afro. Acabou enviado para um campo de trabalhos forçados da Unidade Militar de Apoio à Produção, em 1965, onde eram internados padres, homossexuais e opositores do regime a pretexto do serviço militar obrigatório.
O músico lamentou que ninguém em Cuba tenha pedido desculpa por estes terríveis episódios que, segundo ele, “não foram um evento isolado”, mas parte de um “processo estalinista que prejudicou intelectuais, artistas e músicos”, cita o jornal espanhol.
Ainda assim, Milanés nunca deixou de ser próximo de Castro, mantendo-se muito crítico da política externa dos Estados Unidos, e chegou a fazer parte do parlamento do governo cubano.
“Sou um trabalhador que trabalha com canções, fazendo à minha maneira o que melhor sei, como qualquer outro trabalhador cubano”, disse numa entrevista ao New York Times. “Sou fiel à minha realidade, à minha revolução e à forma como fui educado”, afirmou. Juntos, Milanés e Silvio Rodríguez fizeram tours por todo o mundo como embaixadores culturais da revolução cubana.
Nos últimos anos da sua vida expressou descontentamento com o que se estava a passar no seu país. “Discordo com muitas coisas em Cuba e todos sabem disso”, disse ao New York Post.
No entanto, publicamente, continuou a apoiar o governo cubano e Castro, mesmo depois de este ter abandonado o cargo de Presidente em 2006, prometendo continuar a representar os seus ideais “com unidade e coragem diante de qualquer ameaça ou provocação”, cita a AP.
A carreira de Milanés estendeu-se por cinco décadas e cerca de 60 álbuns, que serviram como uma ponte entre gerações e estilos musicais. Foi laureado com dois Grammys Latinos, em 2006, de melhor álbum de cantor e compositor (Como un Campo de Maíz), e outro de melhor álbum tropical tradicional (Líneas Paralelas).
Em 1970, escreveu uma das mais populares canções românticas da América Latina, ‘Yolanda’, dedicada à produtora de cinema e televisão Yolanda Benet, com quem esteve casado durante cinco anos.
A canção foi escrita após Yolanda ter dado à luz Lynn, primeira filha do casal. O músico estava ausente, uma vez que tinha concertos agendados longe de Havana, e as saudades que sentiu da sua esposa, bem com a vontade de estar com ela num momento tão especial, inspiraram-no a escrever esta canção.
Anos mais tarde, em 2003, quando o El País perguntou a Milanés quantas mulheres tinha tentado seduzir afirmando que elas eram a inspiração para esta música, o músico respondeu “nenhuma”. Mas, entre risos, acrescentou que muitas lhe disseram que os seus filhos foram concebidos ao som dessa canção.
O artista tinha ainda uma ligação com Portugal, através do fundador dos Trovante, Luís Represas, com quem fez um dueto na música ‘Feiticeira’ durante um concerto em 1993.
A voz de Milanés ficará gravada na história como uma das principais e mais influentes de Cuba. “A cultura em Cuba está de luto pela morte de Pablo Milanés”, escreveu no Twitter o primeiro-ministro daquele país, Manuel Marrero Cruz, na noite de segunda-feira.