Entre janeiro e novembro deste ano, foram registados 489 acidentes (395 feridos leves e 13 graves) com trotinetas. Os dados foram avançados ao i pela Polícia de Segurança Pública (PSP), que adiantou igualmente os números dos anos anteriores: 289 em 2021 (244 feridos leves e sete graves), 97 em 2020 (69 feridos leves e dois graves) e 169 em 2019 (119 feridos leves e três graves).
A PSP esclarece que “na sua atividade operacional, tem-se preocupado em acompanhar a tendência de aumento da utilização das trotinetas e as consequentes questões relativas à segurança rodoviária, uma vez que os seus condutores partilham as vias de circulação com os demais veículos motorizados”, destacando que os dados incluem os acidentes que envolvem trotinetas, desde aqueles sem outros intervenientes e aqueles em que os veículos automóveis também são intervenientes.
“Neste período temporal verificámos uma subida do número de acidentes, bem como o aumento da gravidade dos mesmos, atendendo à evolução do número de feridos leves e graves”, elucida, ressalvando “que em 2020, devido à pandemia de covid-19 e consequentes restrições e períodos de confinamento, o registo de acidentes é inferior por haver menor tráfego rodoviário”.
“A PSP apela a todos os cidadãos que, diariamente ou casualmente utilizam estes veículos, que o façam com respeito pelos demais utentes da via pública, quer para a sua segurança quer para a segurança de terceiros”, conclui, sendo que o faz no dia seguinte ao da publicação do artigo “Trotinetes Elétricas: É Urgente Regulamentar” na Acta Médica Portuguesa. Neste artigo, coordenado por Marino Machado e Nuno Diogo, começamos por compreender que, na Urgência Polivalente do Centro Hospitalar Universi-tário de Lisboa Central (CHULC), diariamente, “são observados pelo serviço de Ortopedia em média 50 a 60 doentes, sendo internados para intervenção cirúrgica três doentes por dia, em média”.
No entanto, “tendo-se constatado a existência de um novo fator de risco acidental, foi efetuado o levantamento dos episódios de urgência motivados por acidentes com trotinetes entre outubro de 2018 e outubro de 2019, incluindo os acidentes com condutores, passageiros e atropelamentos” e as conclusões são várias: de um total de 257 acidentados, 65 (25%) tiveram o diagnóstico de fratura e, destes, 35 (13,6%) foram submetidos a intervenção cirúrgica, “valores semelhantes aos reportados em publicações internacionais”.
“As fraturas mais comumente observadas localizavam-se na cintura escapular e tornozelo, sendo esta última área anatómica a que mais necessitou de osteossíntese. A idade média dos acidentados foi inferior a 40 anos e, acrescentando os dias de incapacidade laboral aos custos associados ao tratamento da lesão, alcançam valores significativos para o acidentado e para o estado português”, é apontado. Ou seja, um custo total de 215 991,772 euros (média de 840 euros por acidentado) e um total de 3494 dias de incapacidade.
“O estudo detetou uma maior tendência para a ocorrência de acidentes durante o fim de semana (43%), no período vespertino (16 – 24 horas) e noturno (24 – 8 horas) (73%), dados similares aos reportados em estudos noutros países”, é frisado, salientando os médicos que “urge uma maior e informada discussão pública sobre o uso, regulamentação e integração destes veículos na cidade de Lisboa, onde a falta de ciclovias, a existência de carris de elétrico na estrada e a predominância de calçada portuguesa majora o risco de acidente”.
Feridos também são vítimas de atropelamento “O levantamento dos dados terminou em outubro de 2019 e em março de 2020 surgiu a pandemia. Naturalmente, em 2020 e 2021 houve um decréscimo destes acidentes. Até porque está relacionado com o turismo e, estando os níveis do mesmo reduzidos, é claro que o tráfego das trotinetas desceu também”, começa por explicar o ortopedista Marino Machado ao i.
“Diria que, agora, o problema está igual a 2019 ou, possivelmente, até pior. Todos os dias, ou quase todos os dias, vemos pessoas, nas urgências, que tiveram acidentes com estas trotinetas. Do total, 6,6%, quase 7%, são vítimas de atropelamento”, revela o profissional de saúde, contando que gostaria de ter recolhido dados nos últimos dois anos, juntamente com os colegas, mas a prioridade foi o tratamento dos doentes covid-19.
“Acerca dos acidentes mais graves… A PSP é notificada, mas diria que dos acidentes ligeiros… Não tem noção total porque as pessoas caem ao chão e vão à urgência. Esse número estará, certamente, subvalorizado”, avisa o médico. “Aqui em Portugal, pelo menos que eu tenha conhecimento, não existe nenhum estudo tão detalhado com pormenores clínicos”, confessa, constatando que “peca por surgir tardiamente, mas o foco das revistas científicas estava na pandemia e não em temas como este”.
“Cada vez que aparecia um acidentado destes inseríamos todos os dados numa base de dados própria. Talvez seja possível fazer uma análise retrospetiva através da base de dados da urgência, mas provavelmente vai subestimar os casos porque terá de estar analisado que é um episódio relacionado com uma trotineta”, raciocina. “Quero ter cautela porque senão o problema parece menor do que é. Temos interesse em manter o estudo mas, se calhar, vamos começá-lo agora ou já em 2023. É pena não termos mais dados, mas certamente desenvolveremos mais estudos futuramente”.
Quem vai ao encontro das perspetivas da PSP e dos médicos Marino Machado e Nuno Diogo é Jorge Rufino, presidente da Associação Representativa dos Polícias (ARP-PSP). “É uma situação que nos preocupa a todos. E da forma como temos visto a utilização deste tipo de equipamentos por parte dos utilizadores… Deverão obrigatoriamente ser criadas leis para o efeito”, declara.
“Caso contrário haverá desgraça atrás de desgraça. Tem de haver legislação própria, específica que combata a existência de tantos acidentes”, recomenda. “Infelizmente, para se cumprir tem de haver uma consequência. As pessoas têm de saber que serão responsabilizadas. Neste momento, é uma anarquia total”, refere. “O artigo 112.º do Código da Estrada não tem basicamente nada sobre as trotinetas e temos de lutar contra as más práticas de utilização destes equipamentos”, afirma, falando do artigo que se prende com a classificação dos velocípedes.