‘Já chegamos à Madeira’

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Já falamos do Ruy de Carvalho inúmeras vezes nestas nossas cartas semanais. Nunca é demais falarmos do ator português mais velho no ativo que começou esta semana a celebrar os seus 80 anos de carreira, imagina.
Tantos anos de carreira como tu praticamente tens de vida.
Realmente, sou um privilegiado! Ter-te a ti como “avó” e ao Ruy de Carvalho como “avô” é o sonho de qualquer neto.
Inaugurei esta semana uma nova exposição sobre o “avô” Ruy. Desta vez com fotos do arquivo do Teatro Nacional D. Maria II, onde o Ruy representou mais de meia centena de peças. 
Como não podia deixar de ser, também esta exposição será itinerante. 
Por falar nisso, como te tinha dito, recentemente, fui celebrar os meus 50 anos à Ilha da Madeira. No entanto, o que me fez ir à Madeira não foi apenas o meu aniversário. 
Sabes que a Ruth, amor de toda a vida do Ruy de Carvalho, era madeirense. Logo a ligação do Ruy à Madeira, e aos madeirenses, é mais do que muita.
O “avô” Ruy tem muita vontade que a exposição sobre a sua vida e obra venha a ser itinerante pelos vários municípios da Madeira. Como tal, fui à Madeira para tentar fazer deste sonho do Ruy uma realidade.
O meu trabalho já chegou à Madeira, estou muito feliz.
Deixa-me só acrescentar que, tal como tu, não dispenso um bom local para comer. Conheci na Madeira o Chef Júlio Pereira que tem, não um, mas três belíssimos restaurantes. O meu almoço de aniversário foi precisamente num desses espaços. Não podia ter feito melhor escolha. Na conversa com o Chef descobri que os avós eram, pasma-te, da Ericeira. 
Não há coincidências. 
Sabes que também tu és muito solicitada para vir à Madeira.
Ouvi várias vezes «Traga a exposição da sua avó Alice à Madeira».
Como não podia deixar de ser, os teus livros são um sucesso na Madeira e todos têm uma grande admiração por ti por teres escrito o livro “Os Profetas”. 
Ainda vamos os três à Madeira.
Bjs

Querido neto,

Que bom que o teu trabalho vai chegar à Madeira! Lembro-me de, quando era miúda, ouvir muito a expressão “Já chegámos à Madeira?”. Mas nesse caso não era uma expressão simpática.
Quando pensei em escrever “Os Profetas” – que se passa em Porto Santo – eu já tinha ido muitas vezes à Madeira mas nunca ao Porto Santo.
Então fui à minha página de Facebook e escrevi: «Preciso entrar em contacto com alguém que more em Porto Santo, para me dar umas informações».
Resumindo e concluindo, quando cheguei a Porto Santo tinha uma data de gente à minha espera para me ajudarem no que fosse preciso, uns conheciam todos os sítios onde a história se tinha passado (e eram sítios muito difíceis de encontrar) e levaram-me lá, uma foi a minha guia por todas as ruas da cidade, outra ofereceu-me alojamento, etc, etc… Foi uma maravilha.
 Acho que só lá regressei uma vez, e tenho muitas saudades. 
Quanto ao Ruy de Carvalho, sou muito amiga dele desde que eu era criança.. O tio que me criava adorava teatro e ia todos os dias a um café ao pé do Saldanha (a “Paulistana”, que já não existe) onde iam também muitos atores (o antigo Teatro Monumental era mesmo em frente): o Artur Semedo, o Raul de Carvalho, o Carlos Coelho – e o Ruy de Carvalho. Tinham todos uma enorme paciência para mim, conversavam comigo, contavam-me histórias, etc. Mas o Ruy era de quem eu gostava mais, porque ele levava-me muito a sério: «Se um dia me vires fazer uma coisa mal no teatro, tu diz-me logo!». E eu, muito séria dizia logo que sim, claro. Mais tarde, quando eu já era jornalista, fiz-lhe muitas entrevistas e conheci a família dele, e gosto muito da filha, do genro, do filho, do neto… Como costumava dizer a minha querida amiga Agustina Bessa-Luís, «vemo-nos pouco mas gostamo-nos muito!».
Espero que o teu trabalho seja implementado na Madeira e Porto Santo com muito sucesso.
Fica bem.
Bjs