Portugal está prestes a receber um dos maiores fenómenos da música popular dos últimos tempos, Rosalía, que vai atuar no Altice Forum, em Braga, e na Altice Arena, em Lisboa, nos dias 25 e 27 de novembro, respetivamente, onde irá apresentar o seu mais recente disco, Motomami, lançado em março do presente ano, e que a elevou a uma das eletrificantes e interessantes artistas do planeta.
Basta ouvir a primeira música deste disco, Saoko (um termo típico de Porto Rico, com origens africanas, para descrever ritmo e movimento), para ficar contagiado pelos excêntricos ritmos da artista, que mistura baterias e pianos de jazz, com batidas reggaeton e sintetizadores típicos de música industrial, não fosse uma das inspirações desde disco o álbum The Donward Spiral (1994) dos Nine Inch Nails.
Perante este caótico instrumental, a catalã de 30 anos canta sobre transformação e metamorfose. “Uma borboleta, eu me transformo / Maquilhagem drag queen, eu me transformo”, usa como metáforas para abordar como se converteu numa das mais idiossincráticas e melhor sucedidas estrelas do planeta.
Depois de três discos, com uma legião de fãs e aclamação crítica, Rosalía é apontada como o futuro da música espanhola, graças à sua visão para apresentar uma versão mais moderna de estilos tradicionais espanhóis, como o flamenco, a uma nova geração, mas o caminho até chegar aqui foi longo e envolveu muitos estudos.
O prodígio que decidiu desconstruir o flamenco
Nascida no dia 25 de setembro de 1992 e criada em Sant Esteve Sesrovires, um pequeno município de Barcelona, desde muito cedo, Rosalía mostrou muito interesse e talento para a música, recordando numa entrevista para a W Magazine um episódio, quando tinha 8 anos, em que os seus pais lhe pediram para cantar num jantar de família, mas como não sabia nenhuma canção apenas fechou os olhos e trauteou algo simples, “la, la, la, la”, descreve, e, quando voltou a abrir os olhos deparou-se com a família toda a chorar.
No entanto, esta apenas se apaixonou pelo flamenco aos 13 anos, depois de ter ouvido uma música de Camarón de la Isla, um dos mais conceituados artistas deste estilo, a ser tocado num carro ao lado da sua escola.
Após despertar esta paixão, a catalã dedicou-se a estudar música tendo frequentado a Escuela Superior de Música de Cataluña, onde recebeu os ensinamentos do conceituado professor José Miguel Vizcaya, mais conhecido no mundo do flamenco como El Chiqui (que apenas aceitava um aluno por ano), e se formou no estilo tradicional de cantar conhecido como cante flamenco.
Durante esta altura, a cantora chegou a participar no programa de concurso de talentos, Tú Sí Que Vales, quando tinha 15 anos, onde não foi selecionada, e apanhou um grande susto, aos 17 anos depois de ser obrigada a fazer uma cirurgia às cordas vocais devido à sua “prática intensiva”, o que a deixou sem cantar durante um ano.
Após recuperar, Rosalía usou a sua voz para se sustentar, trabalhando independentemente a cantar em casamentos ou bares em troca de pouco mais de 80 euros ou de uma refeição.
No entanto, esta teria a sua oportunidade para singrar profissionalmente, em 2012, quando se tornou vocalista dos Kejaleo, um grupo de música flamenca, e outros artistas, mas, esta apenas começou a mostrar os seus dotes mais ecléticos quando colaborou com C. Tangana, também um dos grandes novos artistas a emergir de Espanha e seu ex-namorado, na música Antes de Morirme, que colocou Rosalía pela primeira vez nos Tops espanhóis.
Pouco tempo depois esta teria oportunidade de lançar o seu primeiro disco a solo, Los Ángeles (2017), onde pode mostrar o poder da sua voz, que ganhou uma nova dimensão nas músicas que tem como tema central a morte, acompanhada pela guitarra de Raül Refree. Este lançamento valeu à cantora uma nomeação nos Grammy Latinos para Melhor Jovem Artista.
Mas no seu segundo lançamento, El mal querer (2018), um álbum mais conceptual e experimental, que aborda uma relação tóxica na vida da cantora, transformou-a num êxito internacional, vencendo inclusive o Grammy de Melhor Álbum Rock ou Alternativo Latino, e valendo elogios como a declaração que esta era a “Beyoncé do Flamenco”, e que lhe proporcionou concertos em festivais conceituados como o Coachella, Lollapalooza ou, inclusive, em Portugal, no festival NOS Primavera Sound.
Uma estrela que transcende géneros artísticos, considerada um ícone da moda e já tendo feito a sua estreia no cinema, num pequeno papel no filme Dor e Glória (2019) de Pedro Almodóvar, agora, com o lançamento do seu terceiro disco, Motomami, numa altura em que artistas latinos apresentam um forte domínio do panorama musical, com músicos como Bad Bunny, que este ano também lançou o aclamado quarto disco, Un Verano Sin Ti, J Balvin ou C. Tangana (que este verão ofereceu um dos mais elogiados concertos do festival Super Bock Super Rock), a artista espanhola prepara-se para subir a palcos em Lisboa e Braga e apresentar o que está a preparar na sua Motomami World Tour.
“Motomami vai além do flamenco que a tornou famosa, fundindo pop de vanguarda com música latina progressiva”, pode ler-se no The Ringer. “É raro ouvir um álbum tão experimental, que ambiciona estender-se por vários géneros e brincar com a forma, e que atinge exatamente o que se propõe a alcançar. Rosalía já era uma cantora formidável, mas aqui ela também parece ter aprendido que com o estrelato global vem a liberdade de definir a sua própria agenda”, elogia a Pitchfork.
A consagração deste disco aconteceu no início da semana, quando a cantora venceu quatro prémios nos Grammys Latinos, incluindo o de melhor álbum do ano, e onde teve a oportunidade de fazer um medley com músicas deste disco.
Apesar de não ter sido nomeado para melhor álbum do ano na cerimónia dos Grammys norte-americanos (onde está o disco de Bad Bunny, que perdeu contra Motomami no certame latino), Rosalía viu o seu trabalho ser novamente nomeado na categoria de Melhor Álbum Latino de Rock ou Alternativo.
Portugal vai poder ouvir pela primeira vez ao vivo este novo trabalho da cantora catalã esta sexta-feira e domingo, mas para os que estão a descobrir agora o seu trabalho já pode ser tarde de mais, uma vez que os bilhetes para os dois concertos já esgotaram.