Habitualmente, a palavra Alzheimer é encarada com medo. Principalmente, como uma doença que corresponde a uma espécie de sentença que ninguém deseja ter. É o caso do ator de 39 anos Chris Hemsworth, responsável por interpretar Thor nos filmes da Marvel, que anunciou que vai fazer uma pausa na carreira por ter descoberto que tem predisposição para desenvolver esta patologia degenerativa que causa a deterioração dos sistemas cognitivo e neurológico.
Segundo declarações do ator à Vanity Fair, submeteu-se a vários testes e análises no âmbito do documentário ‘Limitless’, tendo assim ficado a saber que tem «entre oito a dez vezes mais» de probabilidade de desenvolver a doença do que uma pessoa comum. Tal aconteceu porque os especialistas analisaram o ADN do ator e descobriram que este tem duas cópias do gene APOE4 – do pai e da mãe – e os estudos associam a presença deste gene a uma maior probabilidade de desenvolver a doença descoberta por Alois Alzheimer.
Hemsworth referiu que o diagnóstico é motivo de preocupação e que a dupla ocorrência do gene o coloca numa posição em que está mais predisposto a desenvolver a doença, algo que não o surpreende na medida em que o avô foi diagnosticado com a doença. O também ator Liam Hemsworth, irmão de Chris, afirmou que encarou o diagnóstico como uma bênção, uma vez que pode começar a tomar medidas para controlar o risco. Com esse objetivo, privilegiará as suas saúdes física e mental de forma a conseguir evitar o desenvolvimento da doença durante o máximo tempo possível: «Sempre que me esqueço de alguma coisa, agora é a minha desculpa», contou em tom de brincadeira ao órgão supramencionado. «Esta descoberta desencadeou algo em mim para querer tirar algum tempo. E desde que terminámos a série, tenho estado a completar as coisas para as quais já estava contratado. Agora, quando terminar esta promoção [de imprensa], irei para casa e vou ter um bom descanso e apenas simplificar. Estar com as crianças, estar com a minha esposa», indicou o ator.
Segundo os dados mais recentes divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 50 milhões de pessoas estão diagnosticadas com algum tipo de demência, sendo a doença de Alzheimer a mais comum. Mas este panorama vai agravar-se: cerca de 153 milhões de pessoas no mundo terão demência em 2050, ou seja, quase o triplo que havia sido estimado para 2019 – 57 milhões. Esta foi uma das conclusões publicadas num estudo divulgado na publicação científica The Lancet Public Health, que adianta estimativas do número de adultos com 40 ou mais anos a viverem com demência em 204 países ou territórios diferentes, comparando os anos de 2019 e as projeções de 2050.
De acordo com este documento, são quatro os principais fatores de risco: tabagismo, obesidade, hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) e escolaridade baixa. Em Portugal, serão 351 504 pessoas com demência em 2050, menos do dobro do número previsto para 2019, 200 994. Sabe-se que o tipo mais comum de demência é a Alzheimer que, de acordo com dados da OMS, representa 50 a 70% dos casos. Contudo, apesar de todos os esforços da investigação científica, a verdade é que ainda existem mais perguntas do que respostas naquilo que diz respeito à Alzheimer, a patologia que foi batizada com o nome do psiquiatra alemão Alois Alzheimer.
Este identificou o primeiro caso de ‘demência pré-senil’, que viria a ser definido como Alzheimer, em 1901, num asilo de Frankfurt, numa doente de 51 anos, Auguste Deter, tendo conseguido fazer um acordo para ficar com o cérebro da mulher e os registos médicos desta após a sua morte. As décadas foram passando e a Ciência tornou-se cada vez mais avançada e as descobertas diferenciadas, mas ainda não se sabe muito. E é exatamente por este motivo que a Alzheimer Portugal continua a lutar.
«A melhor forma de sensibilizar e trazer para as primeiras páginas e agendas políticas a Alzheimer e outras formas de demência é alguém ter coragem e dar a cara. Desmistificar e dar o passo em frente. Foi o que aconteceu com o Presidente Reagan, por exemplo», começa por explicar, em declarações à LUZ, Rosário Zincke dos Reis, vice-presidente da Direção Nacional da Alzheimer Portugal. «Há vários exemplos que mostram que esta é a melhor forma de chamar a atenção para esta doença. Se era assim há anos, hoje em dia ainda mais porque as pessoas estão influenciadas pelas redes sociais e pelas figuras públicas».
«Andamos a tentar convencer os governantes a reconhecerem as demências como prioridade de saúde pública em Portugal. E ainda não conseguimos: existe uma estratégia da saúde para as demências, planos regionais de saúde em fase de implementação, mas este processo tem sido muitíssimo lento e nada que faca efetivamente diferença tem sido feito», continua. «No nosso país é difícil alguém ter coragem e dar a cara e dizer que tem Alzheimer, predisposição para… Ainda é um tabu», lamenta.
«Atualmente há muitas desigualdades: a pessoa tem conhecimentos, condições económicas, acesso a um bom especialista, etc. ou, se não tem essa sorte, pode não conseguir um diagnóstico, consegui-lo apenas tardiamente… Na doença de Alzheimer, o mais relevante é a abordagem multidisciplinar. Intervenção da terapia ocupacional, psicologia, fisioterapia, etc. Onde é que existe isto?», questiona. «Em alguns equipamentos sociais, mas o Serviço Nacional de Saúde não assegura este tipo de cuidados. A pessoa não se deve sentir perdida neste labirinto: é fundamental que haja uma articulação entre os cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, os próprios equipamentos sociais e as associações».
«Mesmo que a população reduza, o número de pessoas com demência vai aumentar», adianta, sendo que, a seu lado, em setembro, a Alzheimer’s Disease International (ADI) deixou claro que «tem pedido aos governos e aos Estados-Membros da OMS que reconheçam a demência pelo que ela é, uma emergência global de saúde pública que não observa fronteiras ou o status socioeconómico. Atualmente, estima-se que haja 55 milhões de pessoas a viver com demência em todo o mundo, um número que deve quase triplicar até 2050. A demência também é atualmente a sétima principal causa de morte», clarificou a associação com sede em Londres.
«Embora essas projeções sejam impressionantes, é provável que a verdadeira população que vive com demência esteja a ser grosseiramente subestimada», até porque «pesquisas recentes mostram que a covid-19 está associada à disfunção cognitiva de longo prazo e a uma aceleração de alguns sintomas de Alzheimer em indivíduos, o que significa que podem desenvolver a condição nos próximos anos», lamenta, acrescentando que existem «inadequações no processo de diagnóstico atual, conforme demonstrado pelo Relatório Mundial da Alzheimer de 2021», no qual deixou claro que cerca de 75% das pessoas doentes não estão diagnosticadas.
«A cada três segundos alguém no mundo desenvolve demência; aproximamo-nos do precipício de uma crise global de saúde pública. O tempo de agir está a esgotar-se», salientou a associação que funciona como ‘chapéu’ para mais de 100 entidades espalhadas pelo mundo, tendo sido criada por Jerome H. Stone. «O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde publicou recentemente previsões nacionais e regionais sobre a prevalência de demência, prevendo que os maiores aumentos na prevalência de demência provavelmente ocorrerão no norte de África, no Oriente Médio e no leste da África subsaariana», notando que no Qatar a situação será mais grave, na medida em que se espera um aumento de 2000% até ao ano de 2050.
«Portugal, juntamente com estes países, preocupa-nos muito porque tanto o vosso país como os restantes ainda não implementaram um plano nacional de demência para preparar os sistemas de saúde e a sociedade para esta emergência de saúde pública emergente», revelou, elogiando os projetos de países como a Escócia, a Coreia do Sul e o Canadá, mas mostrando-se esperançosa em relação à investigação acerca desta doença. «A demência foi descoberta na mesma época que o cancro, mas a pesquisa sobre ambos tomou direções muito diferentes. Para cada 12 estudos sobre cancro, há apenas 1 para distúrbios neurológicos, um guarda-chuva para inúmeras doenças e condições das quais a demência constitui apenas uma parte. Por muito tempo a comunidade científica ignorou a demência e as pessoas que ela afeta», criticou, esperando que «as novas terapêuticas que entram no mercado tragam boas notícias para os 55 milhões de pessoas que vivem com a doença em todo o mundo».