por Nuno Melo
Num país com noção das regras básicas de funcionamento do Estado de Direito, as alegações de Carlos Costa, relativamente ao comportamento do primeiro-ministro António Costa e do ex-ministro das Finanças Mário Centeno, de interferência ilegítima no funcionamento do Banco de Portugal, não podem ser desvalorizadas.
Desde logo, há três factos que, confirmando-se, são da maior gravidade.
1. Isabel dos Santos:
Em relação à empresária angolana, a essência da acusação do ex-governador está na circunstância de, perante a recusa do Banco de Portugal lhe conceder idoneidade para exercer funções de administradora no BIC, o primeiro-ministro ter interferido, argumentando que, tratando-se da filha do presidente de Angola, um país amigo, assim não deveria ser.
Convenhamos que, idoneidade é coisa que a realidade mostra que Isabel dos Santos, manifestamente não tinha. A Interpol acaba de emitir um mandado de detenção que o ilustra abundantemente.
Não obstante, perceber-se que ser filho de alguém – motivo de estatuto da fidalguia de outros tempos –, possa ser agora critério para socialistas e republicanos concederem idoneidade a quem queira gerir bancos, é simplesmente surreal.
2. BANIF:
No dia 16 de Dezembro de 2015, o que estava em cima da mesa para decisão no Banco Central Europeu era a proposta do Banco de Portugal, que pretendia impor um ‘plafond’ de acesso de liquidez ao BANIF.
Recorde-se que durante o Governo PSD/CDS prevalecia a ideia de reestruturação do banco, que teria de ser aprovada pela DG COM em Bruxelas.
Por seu lado, sendo a resolução de um banco uma prerrogativa do Banco de Portugal, que não assiste ao governo, a informação ao BCE de um processo de resolução que o regulador nacional nunca decidira, seria uma ilicitude potenciadora dos maiores equívocos.
Acontece que, depois de recebida uma carta subscrita pelo primeiro-ministro e pelo ministro das Finanças Mário Centeno, foi efetuado um aditamento à ordem de trabalhos do BCE, no sentido da suspensão do estatuto de contra-parte ao BANIF.
Nessa medida, a possibilidade da gestão do processo pelo governo ter causado uma corrida ao levantamento de depósitos, a depreciação do BANIF nos mercados e a entrega de bandeja a um único concorrente, o Banco Santander, quando antes se perspetivavam mais interessados, tem de ser claramente apurada.
É até legítimo questionar se o Governo não traçou premeditadamente, ou inadvertidamente, o destino do banco, num processo que acabou por se revelar de favorecimento em relação ao Banco Santander. É o que faço em interpelações escritas dirigidas esta semana ao BCE e à Comissão Europeia.
3. Saída limpa de Portugal, do programa de ajustamento da troika:
Declarando que a saída limpa de Portugal que a Comissão Europeia, BCE e FMI tinham aprovado em maio de 2014 era uma fraude e que a banca portuguesa estava em grandes dificuldades, o primeiro-ministro António Costa e o ministro das Finanças Mário Centeno revelaram duas coisas:
– Que depois de reconquistada a credibilidade, após o período difícil de bancarrota legada pelos socialistas em 2011, quiseram dinamitar em 2015 o sucesso de Portugal, sem qualquer respeito pelos sacrifícios das famílias, trabalhadores e empresas;
– Que prejudicaram com grande probabilidade a avaliação qualitativa da supervisão europeia dos bancos portugueses.
Uma e outra coisa são imperdoáveis.
Dito isto, é importante que se perceba que quando o Governo interfere ilegitimamente nas decisões e competências das entidades representativas da Justiça, ou reguladoras e de supervisão, autónomas do poder político, com exemplos na Procuradoria-Geral da República, na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, ou no Banco de Portugal, é o Estado de direito e o normal funcionamento das instituições democráticas que fica posto em causa.
Confirmando-se que assim sucedeu, é evidente que o Presidente da República não poderá ficar indiferente a tudo.