Embora o Mundial do Qatar esteja envolto em polémica, quem faz a coleção da Panini não quer saber de desgraças. À semelhança do que vimos acontecer nos últimos anos, primeiro com os combustíveis, depois com o álcool gel, com o papel higiénico ou com as máscaras, as cadernetas e cromos do mundial estiveram várias vezes esgotados. Quando as carteirinhas voltaram a estar disponíveis apareceram com proteção reforçada. Em algumas lojas foram colocadas dentro de caixas de plástico com alarme e noutras só estavam disponíveis mediante o pedido ao funcionário da caixa, que as tinha guardadas bem perto de si.
Foi uma alegria voltar a ver o entusiasmo com as cadernetas há tanto perdido, que me lembra os tempos de criança. Todo o processo é uma festa! Ir comprar as carteirinhas, pegar no pacotinho, sentir o volume dos cromos ainda desconhecidos, rasgar a parte de cima, tirar o montinho de cromos e, um a um, com excitação e curiosidade, gritar de alegria ou deceção a descoberta dos cromos que vão saindo. É também sempre engraçado ver como os jogadores menos conhecidos acabam por se tornar tão familiares por serem os cromos mais repetidos.
Mas esta caderneta trazia um truque na manga que a tornou mais apetecível e que foi o segredo para esta febre: além dos cromos normais e dos especiais e brilhantes, há cromos extra (básicos, de bronze, de prata ou de ouro) de algumas celebridades do futebol – que não são para ser colados na caderneta, mas guardados em bolsinhas transparentes como relíquias. É principalmente o desejo de receber um cromo ‘legend’ que tem levado os mais novos às bancas. É que estes cromos, sobretudo os mais raros, chegam a ser vendidos aos mais fanáticos por centenas de euros. Como são um cromo a mais que sai nas carteirinhas há quem peça para as pesar nas balanças de precisão das lojas (quem não sabia o que são balanças de precisão agora vibra até com as do supermercado) ou para as escolher minuciosamente.
Mas as novidades e a excitação em volta da caderneta do mundial não acabam por aqui.
Neste momento já não há pais – sobretudo de rapazes –, educadores ou professores que não saibam o que é bater bafo. E entre eles, muitos desejavam nunca ter sabido. Esta é uma alternativa à tradicional troca de cromos e é basicamente uma forma consentida dos mais habilidosos ficarem com os cromos dos outros.
Embora seja quase um vício recente no nosso país, bater bafo ou fazer bafão é um jogo tradicional brasileiro com vários anos. É um passatempo em que várias crianças se juntam numa roda ou frente-a-frente, colocam os cromos ou outras ‘figurinhas’ no centro e batem com uma mão ou as duas nas cartas ou ao pé delas, fazendo com que a deslocação do ar as vire. As cartas que cada um vira ficam para ele.
A combinação explosiva da caderneta, cromos, cromos raros e bater bafo tornou-se tão aliciante que neste momento é um vício e quase um tique entre os mais novos. Vemo-los a bater ruidosamente com as mãos no chão na escola, nas lojas, nos restaurantes ou onde quer que estejam, para virarem cromos, cartas Pokémon ou qualquer outra coisa. Uma amiga contou-me que os vizinhos na última reunião de condóminos diziam que ouviam uns batuques estranhos vindos a qualquer hora do dia do andar de cima que não parecia ser brincadeira de miúdos. Ainda bem que ainda há jovens que vibram com o mundial!