«Uma democracia sem ética, não é democracia».
Charles Peguy
por João Maurício Brás
Uma sociedade decente é tão importante como uma sociedade justa. Uma sociedade decente é aquela em que as instituições não humilham as pessoas nem pactuam com qualquer tipo de humilhação. O Qatar tem um tipo de sociedade onde os direitos mais elementares dos trabalhadores não são respeitados, onde as mulheres não têm reconhecida igual dignidade de direitos e onde a homossexualidade é crime. O futebol, como sabemos na última década está contaminado por casos de corrupção brutais, tratando-se de um mundo à parte.
Só num mundo imundo podemos ser cúmplices de sociedades que humilham pessoas. Uma sociedade decente é inseparável de uma exigência ética inegociável. Não há aqui mas, nem meio mas, nem ontem nem amanhã.
Lia por estes dias um livro perturbador de Gilles Châtelet, Viver e Pensar como Porcos sobre as democracias-mercado em que vivemos e onde vendemos os valores em saldo e por atacado num capitalismo que já não é democrático. Ora, se vivemos e pensamos como porcos então o que somos?
A vida dos porcos não é moral, mas também não a podemos considerar imoral, é destituída dessa dimensão, é amoral. No plano humano vivemos algo semelhante, os princípios ético-morais são já apenas propaganda publicitária que tem como pano de fundo o primado dos negócios. Os políticos pseudo-democráticos trocam facilmente de convicções em troca de interesses e de dinheiro. Ora, a dignidade é precisamente o que não tem preço, não é negociável nem substituível.
Três episódios repugnantes próprios do imundo em que vivemos.
– Marcelo R. Sousa, o pior Presidente da República portuguesa dos últimos 50 anos recordou-nos a ética nacional que já conhecemos deste socialismo: «Não é ético ou moral mas é legal». «O Qatar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal…, mas, enfim, esqueçamos isto…concentremo-nos na equipa».
– O Presidente, o primeiro-ministro e o autoproclamado antifascista Augusto Santos Silva, preparam-se para viajar para a grande festa da bola. Os votos de socialistas, comunistas e sociais-democratas, uma espécie de socialismo B, e o partido de Ventura (abstenção) legitimaram a viagem.
– O último mundial foi na Rússia, este no Qatar e o presidente da FIFA, Infantino referia que gostaria de realizar o mundial na Coreia do Norte… Este dizia de um modo hipócrita que considerando o que os europeus fizeram nos últimos 3 mil anos, devíamos estar calados nas críticas a esta realização do mundial, e pedir sim, desculpas, a todos os povos do planeta nos próximos 3 mil anos. Falácia asquerosa, o passado não se altera, mas o presente e o futuro sim, e 3 mil anos de racismo e exploração não são exclusivos europeus.
Legitimar este campeonato é ser cúmplice do trabalho escravo, da condenação da homossexualidade e da secundarização da mulher. Sabemos que as democracias ocidentais negociam com tiranos e legitimam cleptocracias e ditaduras, nada de novo.
Da próxima vez que no seu país, na sua televisão, na sua rua, lhe vierem com o peditório e o rasgar das vestes com cenas sobre direitos humanos, negócio do verde, lgbtismos e racismos, diga que já está farto de ser manipulado. O Ocidente não tem valores, mas negócios. Os nossos políticos estão a usar-nos para deixarmos de perceber o essencial, este tipo de capitalismo que nos transforma em pouco mais consumidores amorais.