Vice-campeão à boleia

Guilherme Oliveira ainda não tem carta de condução, mas já é vice-campeão europeu na Le Mans Series. Aos 17 anos, olha para o futuro com confiança e quer fazer carreira nas provas de resistência.

por João Sena

Desde muito jovem que marcou o ritmo no karting, conquistando 15 títulos em apenas seis épocas. Aos 16 anos, passou aos automóveis e disputou o campeonato espanhol de Fórmula 4, com resultados bastante interessantes. Porém, os custos astronómicos dessa competição e a falta de patrocínios obrigaram-no a dar o salto para as provas de resistência em 2022. Na época de estreia nos protótipos com a equipa Inter Europol andou entre os mais rápidos, obteve três vitórias consecutivas e chegou à última corrida, as 4 Horas de Portimão, na frente do campeonato na categoria LPM3. O sonho de ser campeão na European Le Mans Series caiu por terra a 11 minutos do final da corrida, quando realizou o último pit-stop da prova. Ao regressar à pista sentiu problemas na direção do Ligier/Nissan, saiu de pista e quando regressou embateu em outro carro e teve de desistir. Um pesadelo para o jovem piloto, que perdeu, dessa forma, o título europeu. Mesmo assim o título de vice-campeão, aos 17 anos, é um marco significativo para quem está em início de carreira, mas já é piloto profissional. «As corridas são muito importantes para mim, é o meu trabalho», salientou Guilherme Oliveira. Em relação à época que terminou disse: «Fiz tudo aquilo que estava ao meu alcance para ser campeão, mas há coisas que não podemos controlar. O desporto automóvel é um mundo, por vezes, injusto, mas quando se faz parte dele é preciso saber encarar todas as situações, mas que doeu muito, doeu. Foi por água abaixo um ano que poderia ser muito importante para a minha carreira».

Mesmo assim o retorno foi positivo. «Entrei no campeonato como outsider, ninguém sabia quem eu era. Aos poucos fui obtendo resultados e criei uma imagem. O piloto que ganhou o campeonato com a minha desistência era o principal favorito e fazia a Le Mans Series pelo terceiro ano», notou.

O gosto pelas corridas nasceu naturalmente: «O meu pai praticou todo-o-terreno amador, mas não foi aí que nasceu a paixão pelos automóveis. Desde muito novo que leio publicações de carros, e, aos 9 anos, quando experimentei um karting fiquei fascinado. Começou por uma brincadeira, passou a vício e agora é a minha profissão».

Guilherme Oliveira tem outra particularidade, devido à idade ainda não tem carta de condução, mas tem licença desportiva e o título de vice-campeão europeu de resistência. «Estou a começar a tirar a carta. Conduzo carros a 300 km/h e lido com muito tráfego em pista, por isso conduzir não me afeta. O facto de não poder conduzir em estrada só me incomoda a nível logístico, tenho de apanhar boleia ou andar de táxi quando vou para as corridas».

 

Sempre a aprender

Com uma carreira ainda curta, a experiência nos monolugares facilitou a passagem para os protótipos como nos explicou. «Em termos de condução não há grande diferença, o que muda mais é a abordagem às corridas. Na resistência trabalhamos em equipa, somos três pilotos a conduzir o mesmo carro, e tem de haver grande maturidade e responsabilidade por parte de todos os pilotos». Na época de estreia na Le Mans Serie acelerou em circuitos míticos, que só conhecia dos jogos de computador: «Quase todas as pistas eram novas para mim, mas como piloto profissional tenho a obrigação de aprender o traçado o mais rápido possível. A preparação era feita em simuladores, depois havia longas reuniões com o staff que me passava o máximo de detalhes». A partilha de informação com os colegas também ajudou, «a equipa é bastante unida e tenho uma boa relação com os outros pilotos, sempre trabalhámos em conjunto». A esmagadora maioria dos pilotos considera Spa-Francorchamps a sua pista de eleição, Guilherme Oliveira pensa o mesmo, «é um traçado fantástico, dá um enorme prazer de condução porque é muito rápida e tem curvas cegas. Além disso, está situado numa zona verde e o ambiente à volta é muito tranquilo». Além disso, tem um ponto que faz a diferença entre os homens e os meninos: «Fazer Eau Rouge tem que se lhe diga. É uma curva que assusta, é preciso ganhar confiança para depois fazer a fundo». Em relação ao circuito de Portimão, há um misto de sensações. «Estou muito chateado com o que aconteceu lá este ano», numa referência ao título perdido, mas reconhece que «é um excelente traçado, com grande variedade de curvas, subidas e descidas, é diferente».

 

Piloto frio

Após um ano ao mais alto nível no desporto automóvel internacional, reconhece que ainda é um «piloto em construção, mas bastante frio». «Fico mais nervoso quando estou fora do carro do que em pista. Cometo poucos erros, raramente tenho um acidente e não é por andar devagar é por ter a noção do que faço. Tenho apenas dois anos de competição nos automóveis e espero ficar muito melhor, falta-me experiência para poder ser um piloto completo», afirma.

O primeiro ano no European Le Mans Series foi positivo, e a intenção é continuar nas provas de resistência. «Tinha contrato por um ano, que terminou. Neste momento estou livre, está muita coisa a acontecer, e a minha equipa de management está a trabalhar para me apresentar as melhores opções para o próximo ano. Mas, em princípio, volto a correr na Le Mans Series, posso fazer também as 24 Horas de Daytona, uma das corridas mais importantes do mundo, e disputar algumas corridas do IMSA», que se trata do campeonato americano de resistência para protótipos e carros de grande turismo.

Em termos de carreira, tem objetivos bem definidos, como nos esclareceu: «Quero participar nas 24 Horas de Le Mans e, mais tarde, ganhar essa mítica corrida. Espero dentro de dois anos estar à partida de Le Mans». Para que para isso aconteça tem de garantir o lugar numa equipa oficial. Curiosamente, a Fórmula 1 não é um objetivo. «Está completamente posta de lado, é algo de irreal para um piloto português pelos interesses que estão em jogo. Portugal é um mercado muito pequeno, não tem peso político nem financeiro para ter um piloto a correr. O mundo da Endurance dá-me mais oportunidades», frisou.

Sendo piloto profissional tem regras a cumprir fora das pistas: «A este nível não posso descurar a preparação física. Trabalho com um PT [personal trainer] que está dentro da área do Motorsport, faço ginásio 5 vezes por semana e treino duas horas e meias diárias. Tenho igualmente especial cuidado com a alimentação e tento manter um estilo de vida saudável. Estou preparado para fazer turnos de condução de duas horas sem ter quebra física. As corridas de quatro horas fazem-se bem».

Quando não está em pista, a vida pessoal é perfeitamente normal para um jovem de 17 anos: «Vou às aulas, estou a frequentar o 12.º ano, e quero tirar o curso de Economia, e está tudo a correr bem. Os meus colegas apoiam-me bastante, eles sabem que estou a viver um sonho que também eles gostariam de viver».