AZequinha, desculpem lá, não é nome de jogador de futebol. Pelo menos que se veja, com perdão para todos os Zequinhas que andam por esse mundo fora a dar pontapés numa bola. Por bem menos do que isso Nelson Rodrigues quase acabava com a carreira de Coutinho, o colega das tabelinhas com Pelé no Santos: «Lembro-me que ao ouvir falar em Coutinho, pela primeira vez, tomei um susto. Comentei, então, de mim para mim: ‘Coutinho não é nome de jogador de futebol!’. De facto, o nome influi muito para o êxito ou para o infortúnio. Napoleão, se tivesse outro nome, já seria muito menos napoleónico. Outro exemplo: por que é que Domingos da Guia foi o que foi? Porque esse ‘da Guia’ dava-lhe um halo de fidalgo espanhol, italiano, sei lá. Ainda hoje, o sujeito treme quando ouve falar em ‘da Guia’. Mas o Coutinho tem contra si o nome. O sujeito que se chama apenas Coutinho dá logo a ideia de pai de família, de Aldeia Campista, Vila Isabel, Engenho Novo, com oito filhos nas costas e a simpatia pungente de um Barnabé». Também me lembro quando ouvi falar de Zequinha pela primeira vez. No dia 18 de Julho de 1971 o Maracanã recebeu 140 mil pessoas para assistirem ao Brasil-Jugoslávia que marcou a despedida de Pelé da selecção brasileira. Zequinha estava lá no meio de gente finíssima como Rivelino, Gerson, Brito, Piazza e Everaldo. Jogava na ponta direita que fora o lugar de Jairzinho no Mundial de 1970, o melhor Mundial de todos os tempos. O jogo terminou empatado (2-2) e Pelé marcou um golo a passe de Zequinha. Quando saiu, ao intervalo (Pelé, não Zequinha), o povo juntou-se num grito uníssono e emocionado: «Fica! Fica! Fica! Fica!» Não ficou. E nunca mais vestiu a camisola amarela com a qual ganhou três Campeonatos do Mundo – por acaso, no primeiro, na Suécia em 1958, o Brasil até jogou de camisola azul.
Zequinha não nasceu Zequinha nem foi baptizado de Zequinha, é claro. Embora no Brasil sejam capazes de fazer todas as trampolinices imagináveis com o nome de um indefeso nascituro. Começou, portanto, por ser José Márcio Pereira da Silva quando nasceu em Leopoldina no dia 17 de Novembro de 1949, na Praça da Bandeira, para ser mais específico. Desde bem cedo, na infância, dedicou-se horas a ver os treinos do clube que ficava mais próximo de sua casa, o Ribeiro Junqueira. Convenceu-se de que era capaz de fazer tudo aquilo que observava. E trabalhou duro para passar do grupo juvenil para a turma principal. O treinador, Getúlio Subirá, não teve dúvidas em relação às suas qualidades de extremo-direito rápido, de drible fácil e passe bem coordenado. Misturava em doses certas a arte com a objectividade. Tinha tudo para dar certo. E deu. No final de um jogo, um olheiro encantado com o seu estilo, perguntou-lhe: «Oiça lá garoto! Quero falar com seu pai. Ele está por aí?» Estava. E o sr. Zé da Antônia ficou feliz de trepar pelas paredes quando percebeu que queriam o seu filho no Flamengo. O seu coração fanaticamente rubro-negro ia sendo vítima de uma sulipampa.
No Flamengo Zequinha estoirou. Ainda não havia a novela O Bem-Amado, mas no teatro corria a peça de teatro que a antecedeu: chamava-se Zeca Diabo e era da autoria de Dias Gomes que a escreveu em 1942. Zeca Diabo era um cangaceiro assassino temido pelo povo de Sucupira e devoto do Padre Cícero. Por tudo e por nada soltava a frase que se colou ao linguajar corriqueiro da populaça: «Santo Padim Pade Ciço!» Zequinha não fazia chocalhar as pulseiras nem tinha aquele bigodão que Lima Duarte trouxe para os ecrãs. Era um mulato glabro e durante muitos anos enfeitou-se com uma carapinha em forma de bola. Mas os adeptos do Flamengo não estiveram pelos ajustes: ficou Zeca Diabo. O que, vendo bem, é melhor do que Zequinha, nem se discute.
Zequinha acabou por se dar mal no Flamengo em conflito com um tal de Valter Miraglia, o homem que assinara contrato com ele. Viveu uma fase depressiva, passou pelo Palmeiras e ressuscitou no Botafogo graças a Mário Zagallo, o técnico que levou o Brasil ao seu terceiro título mundial. Quando foi chamado para tomar conta da selecção, na véspera da viagem para o México, substituindo João Saldanha, sempre rodeado por problemas políticos por se afirmar comunista em plena vigência do poder ditatorial do presidente Emílio Medici, Zagallo não deixou de ter o Zeca Diabo na sua lista. Não coube nos escolhidos de 1970 e nessa equipa mágica que jogava com cinco números 10 – Pelé (Santos), Tostão (Cruzeiro), Jairzinho (Botafogo), Rivelino (Fluminense) e Gerson (São Paulo), mas já era um frequentador da canarinha no tal jogo da despedida de Pelé no qual fez um centro para o último golo do Rei vestido de amarelo. Quando a bola entrou na baliza, saiu correndo e gritando para quem o que quisesse ouvir: «O Pelé agradeceu-me o passe! O Pelé agradeceu-me o passe!» Tipo educado esse Edson Arantes do Nascimento.