Deixar tudo em campo

Tomaz Morais levou Portugal pela primeira vez a um Campeonato Mundo de râguebi em 2007. O ex-selecionador nacional falou do apuramento para o Mundial do próximo ano e considera que a nova geração de os ‘Lobos’ está preparada para fazer um bom campeonato jogando à portuguesa.

Por João Sena

Após várias tentativas falhadas, algumas no derradeiro momento, Portugal conseguiu um apuramento tão brilhante quanto dramático no torneio de repescagem para o Mundial, realizado no Dubai. Foi preciso esperar pelo derradeiro lance do último jogo, frente aos Estados Unidos, para garantir um lugar no Mundial de França – que se realiza entre 8 de setembro e 21 de outubro – e para o qual já foram vendidos todos os bilhetes para os jogos de Portugal. Vai ser um campeonato muito especial, pois ocorrerá no ano do 200.º aniversário da invenção deste desporto por William Webb Ellis.

Como antigo selecionador, Tomaz Morais começou por dizer que «depois do erro administrativo da Espanha [a seleção foi afastada do Mundial devido à falsificação do passaporte de um jogador] acreditava que Portugal fosse apurado. Foi brilhante a forma como agarrou a oportunidade e se preparou para os jogos finais». Profundo conhecedor da modalidade, fez uma análise da atual seleção «combina muito bem a experiência dos jogadores profissionais, que jogam ao mais alto nível em França, com a qualidade física e técnica dos jogadores formados em Portugal. Estes dois fatores associados a uma liderança muito assertiva do selecionador Patrice Lagisquet criaram condições para este apuramento», que considera ser «um feito notável e uma alegria para a comunidade».

No torneio de repescagem que apurou a última seleção para o Mundial, a equipa portuguesa mostrou os princípios e valores que caracterizam os ‘Lobos’ e o râguebi nacional. «Além da qualidade, há um espírito muito bom na seleção como assistimos nos últimos jogos. É uma equipa que dá orgulho ver porque joga à portuguesa» e explicou o que isso significa «joga um râguebi aberto, bonito, agressivo e que corre riscos, ao mesmo tempo que faz uma defesa com placagem muito baixa, essa combinação é bem evidente na forma como jogam». A seleção reflete aquilo a que os ‘Lobos’ habituaram os portugueses «muita alma, raça e compromisso de nunca desistir até final, foi tudo isso que vimos no torneio de repescagem». 

Atitude inegociável

Garantida a presença no Mundial onde vai defrontar o País de Gales, Geórgia e as Ilhas Fiji, as expetativas são boas. «Portugal está bem preparado e pode ter as mesmas ambições que tínhamos em 2007, e que era fazer um Mundial digno, com muita atitude e presença. Há um aspeto inegociável, têm de deixar tudo em campo, é isso que os portugueses querem ver, e o resultado final será o corolário de tudo isso», frisou Tomaz Morais. Embora reconheça a qualidade da seleção, não avança com resultados «não gosto de dizer que vamos vencer jogos, as coisas não acontecem assim. Penso que Portugal tem, hoje em dia, maior competência posicional, ou seja, mais jogadores para a mesma posição do que tinha em 2007. Isso é uma dor de cabeça para o selecionador, mas leva-me a dizer que, numa competição curta e intensa como é o Mundial, a nossa equipa tem soluções suficientes para poder ganhar um jogo». Lembrou ainda que «sempre jogámos de igual para igual com a Geórgia, o nosso jogo encaixa muito bem no jogo deles» em relação às ilhas Fiji considera ser «um râguebi imprevisível, mas já estivemos muito perto de os bater» em relação ao País de Gales e Austrália «temos de ver como é que se apresentam, embora sejam muito fortes também perdem. Não se pode pensar no impensável, temos de pensar que tudo é possível», mas para que os resultados apareçam «tem de haver muito trabalho e dedicação, bons estágios, um plano de preparação muito rigoroso e os jogadores têm de ganhar maior dimensão atlética». 

A equipa que disputou o Mundial de 2007 era totalmente amadora, atualmente a situação é diferente e há um misto; os jogadores que estão no estrangeiro são profissionais, os que jogam em Portugal são amadores. Os feitos do passado deixaram responsabilidade para a equipa atual «a geração de 2007 mostrou a quem veio a seguir que era possível obter resultados respeitando a identidade, a cultura, os valores e os princípios do râguebi nacional. Depois, criaram-se condições de treino no centro de alto rendimento do Jamor que estão muito acima daquilo que havia na altura, pelo que os jogadores têm melhores condições para jogar um Mundial. Muitos dos jogadores atuais eram miúdos na altura e viram-nos jogar e isso deixou marca» e fez questão de frisar «cantar o hino nacional não é mais do que o compromisso dos jogadores para com o jogo e o país».

Jovens marcam pontos

Para aquilo que é a realidade desportiva nacional e social, o râguebi vindo a dar alguns bons passos. Nos últimos anos houve melhorias a todos os níveis como lembrou Tomaz Morais «nestes últimos anos Portugal conseguiu momentos muito significativos e jogou sempre a um nível muito bom na variante de Seven e na variante de 15. As seleções de Sub-18 e Sub-20 têm dominado na Europa, alguns dos jogadores da seleção principal vêm dessas equipas. Portugal pode estar orgulhoso do trabalho desenvolvidos pelas seleções». O trabalho tem sido igualmente bem feito a nível de clubes «há quem esteja a trabalhar muito bem dentro das suas possibilidades», mas há um problema difícil de resolver «a falta de infraestruturas desportivas. Vai melhorando em alguns sítios, mas faltam campos de jogos. A maior parte dos clubes têm um campo, o que é muito pouco para tantas equipas, e também dificulta o aparecimento de novos clubes. Sem essas infraestruturas é difícil que o râguebi cresça de forma massificada», o ex-selecionador considera que «Portugal vai ter de olhar mais para a qualidade do que para a quantidade». 

Se houver uma avalanche de jogadores a aparecer na sequência do Mundial, os clubes vão ter dificuldade em reter esses atletas, e deixa um aviso «só uma ação consertada com as entidades governamentais pode permitir aos clubes ter os campos necessários para os jovens». Mas há outras áreas onde é possível melhorar «devia haver mais ações à sobre a modalidade, sobretudo nas escolas». O departamento de râguebi dos clubes é gerido por pessoas que têm grande paixão pela modalidade, mas não são profissionais. «O râguebi passa-se ao fim do dia, os treinos são às dez da noite. Vai ser muito difícil a Portugal criar condições para o profissionalismo nos próximos anos. O râguebi está muito centrado na região de Lisboa, precisava de se expandir pelo país. As pessoas têm de conhecer as regras e ganhar o gosto pela modalidade, tudo isso demora tempo. O râguebi tem de conseguir primeiro a sustentabilidade e só depois pensar na profissionalização» disse Tomaz Morais. Continuando a sua análise, afirmou: «Vai ser um trabalho árduo. Deve-se pensar o râguebi não a quatro anos, mas sim a dez anos. Olhar para a formação de treinadores, para as seleções regionais, dar a conhecer a modalidade no meio empresarial e não esquecer o râguebi feminino. Agora que Portugal garantiu presença no Mundial, o Governo devia olhar mais para o râguebi nacional».