O grande regabofe dos canários assassinos!

Os juniores (Vinicius e Neymar) jogaram ao acordar, marcando dois golos e provocando um furacão azul e amarelo que desfez por completo a equipa de Paulo Bento (4-1). E foi uma farra até os brasileiros decidirem fechar a porta do Carnaval deixando respirar os coreanos.

DOHA – Sento-me na bancada de imprensa do estrambólico Estádio 974, o tal que é feito de contentores empilhados e já está vendido para uns pategos uruguaios que se devem ter deixado fascinar por esta obra de engenharia esdrúxula (amanhã mesmo começa a ser desmanchada e empacotada), e é com alegria que vejo, no banco da Coreia do Sul, nuns improváveis oitavos de final perante o Brasil, o meu amigo Paulo Bento. Esta é a 11ª vez (a 10ª consecutiva!) que a Coreia do Sul atinge uma fase final do Campeonato do Mundo e apenas a terceira vez que ultrapassa a fase de grupos – aconteceu em 2002, jogando em casa e ficando gloriosamente em quarto lugar, e em 2010, eliminada nos oitavos de final pelo Uruguai. O Paulo viveu momentos de clara injustiça, sobretudo na seleção nacional (assumiu o cargo de selecionador numa conjuntura complicada) e no Sporting (onde fez um trabalho de muita qualidade), e merece ter entrado para a história do futebol coreano. Lembro-me de quando o conheci, salvo erro em 1989, no Estrela da Amadora, e depois quando firmámos uma amizade mais próxima, quando veio de Guimarães para o Benfica. Ficou para sempre.

Claro que chegar até aqui e, ainda por cima, descascar uma equipa como o Brasil, vestida com o seu fato amarelo-canário de favorita, já era tarefa excessivamente hercúlea, por assim dizer. Ele tem Jorge Gomes no nome, mas não lhe conheço o apelido de Deus. Além do mais, segundo dizem os brasileiros, Deus é brasileiro, façam lá bom proveito.

Havia uma velha frase da Lisboa alcantarense que ia assim: “Juniores é de manhã!” Servia para mandar calar a canalha. Era o tempo de ir cedo para o estádio ver o jogo dos juniores, comer algo, seguir às três da tarde para os seniores e ainda papar um hóquei em patins ou um andebol ao fim da tarde. Ontem, os Juniores acordaram cedo. Vinícius Júnior e Neymar Júnior quero dizer. Aos 7 e aos 13 minutos já tinham, basicamente, resolvido a questão com dois golos, o segundo de penalti. Desejei então, sinceramente, que Paulo Bento não estivesse metido naqueles assados. Era demais! Impressionante, no mínimo, a maneira com este Brasil de Tite joga a cerca de 300 mil quilómetros por segundo, que é a velocidade da luz, sem perder a noção nem da bola nem dos espaços. E junta à tremenda capacidade técnica dos seus jogadores – até daquela dupla de futebol largueirão que fica na retaguarda dos quatro bichos da frente, composta por Casemiro e Lucas Paquetá – um invólucro físico determinante. Foi a marabunta! “Bom no pé/Deita e rola/Ele é mesmo bom/De samba e de bola”, escreveria aqui, se lhe desse um espacinho, o Roberto Carlos. Um furacão azul e amarelo desfez a equipa de Paulo Bento, reduzindo-a a mera espetadora de um verdadeiro regabofe de canarinhos assassinos que não tardaram a atingir os 4-0 através dos golos de Richarlison (29m) e Paquetá (36m). Convenhamos: era uma farra!

 

Quem os pára?

Acredito que, numa noite como a de ontem, e apesar de a Coreia ter ficado muito abaixo dos índices de agressividade que apresentou frente a Portugal, na passada sexta-feira, o Brasil levasse na sua frente, como uma avalanche bárbara de soldados de Átila, qualquer adversário que tivesse a desdita de se apresentar em campo. Durante a maior parte do jogo a exibição oferecida pelos rapazes de Tite só não foi perfeita pelas mesmas duas razões que Cavaleiro de Oliveira não considerava perfeitos Os Lusíadas – demasiado grandes para se lembrarem de cor; demasiado curtos para serem infinitos. Rafinha, Neymar, Vinicius e Richarlison desdobraram-se em movimentos dançarinos, ziguezagueantes, de fazer inveja a Rudolf Nureyev e Margot Fonteyn juntos e ao vivo num Bolshoi a rebentar pelas costuras. Tem Tite, na cabeça, de forma tão concreta como os jogadores que comanda, a ideia de que há ainda três jogos no calendário do Brasil, final inclusa, e que não valerá a pena esgotar já todo o fogo de artifício. Houve lugar ao pontapé vulcânico de Seung-ho (76m) a fazer o 1-4. E chegava de Carnaval. E para bem de Paulo Bento, fecharam a loja e talvez tenham ido beber um chopinho. Aposto que depois do que fizeram nada se lhes recusa.