DOHA – A encruzilhada de Portugal hoje, no Qatar, só tem um caminho. Do outro lado fica um beco sem saída. Tudo o que tem vindo a acontecer desde o fracasso (não há como lhe aplicar um eufemismo) do Mundial da Rússia, em 2018, continuado com a medíocre participação no Europeu de 2020 (deslocado para 2021 por causa da pandemia), metendo pelo meio dois afastamentos evitáveis das meias-finais da Liga das Nações e um apuramento no fio da navalha para este Mundial do Qatar, deu cabo da pachorra dos adeptos sempre fiéis de uma seleção que não passa de promessas por cumprir e vive numa espécie de pântano da banalidade, algo que já ninguém consegue explicar de forma clara conhecendo-se a inegável qualidade de vários dos seus jogadores.
Mais uma vez estamos na fase final de uma grande competição – algo que acontece sem falhas desde 2002 – e mais uma vez foram atirados muitos foguetes otimistas sem que haja quem apanhe as canas de uma inequívoca desilusão. Ao fim de três jogos, e apesar das duas vitórias que nos garantiram os oitavos de final de hoje, no Estádio Lusail, frente à Suíça – uma seleção que desde 1938 nos provoca muitos engulhos e frente à qual temos mais derrotas do que vitórias –, não há pé rapado que não tenha razão de queixa da falta de qualidade de jogo apresentada e das evidentes debilidades de um conjunto que tinha obrigação de estar afinado há muito tempo já que tem vindo a ser construído a pouco e pouco em cima da base do grupo que foi campeão da Europa em Saint-Denis, na noite gloriosa de 10 de Julho de 2016. Já na altura o futebol de Portugal era feio, apesar de sadicamente prático. Desculpou-se essa pobreza estética com a realidade quase inacreditável de um título que parecíamos destinados a nunca ganhar. Confiou-se num evoluir de qualidade na altura da vitória na Liga das Nações. Mas, incompreensivelmente, deparámo-nos com uma regressão que neste momento queima, sobretudo, não vale a pena tapar o sol com a peneira do palavreado de circunstância, as mãos do selecionador nacional, Fernando Santos, e do capitão Cristiano Ronaldo. No caso de as coisas descambarem para o torto perante os suíços, conjunto muito monobloco, sim senhor, mas confrangedoramente sem talento, um e outro vão ter de entrar em explicações. Ainda por cima se tivermos em conta que o engenheiro tem mais dois anos de contrato com a federação e que Ronaldo já se auto-convocou para o Europeu da Alemanha, em 2024.
Negativismo? Sim, podem acusar-me de estar a ser negativo e o jogo ainda nem começou. Eu chamo-lhe realismo. Com franqueza, a Equipa-de-Todos-Nós como lhe chamou Ricardo Ornellas no tempo da baliza às costas, estará, provavelmente, no final da noite, aqui no Qatar, nos quartos de final do Mundial. Mas, e também com toda a franqueza: tal acontecendo, não fará mais do que a sua obrigação. E, prosseguindo nesta onda de sinceridade, só mesmo um resultado e uma exibição consistentes nos farão, por momentos, esquecer a pobreza bisonha da fase de grupos.
Não! Não há mais tempo nem pachorra para os amanhãs que cantam como nos impingiam os idealistas de determinada cegueira ideológica. Não a mais expectativas goradas. Vamos lá ver: a despeito de todas as mensagens transmitidas para o exterior através da imprensa pelos jogadores que têm sido chamados a falar, ninguém acredita que o ambiente seja absolutamente límpido e saudável dentro do grupo. E o desabafo de Ronaldo (não, não o de mandar calar um adversário…), de irritação, desrespeito e falta de educação com a única pessoa que tem autoridade para o tirar de um jogo – a menos que seja expulso, claro! – não caiu bem no meio dos seus companheiros por muito desconto que estejam dispostos a fazer-lhe em troca da sua importância em campo. E Fernando Santos, percebeu-se ontem, está a fumegar pelas orelhas: “Não gostei mesmo nada do que vi pela TV!”, soltou ontem na conferência de imprensa.
O capitão da seleção está zangado e exibe essa zanga com uma bandeira sua. Percebo, porque conheço de há muitos anos a sua fúria competitiva, que esteja desesperado para igualar os tais nove golos de Eusébio, que não queira ficar atrás daquilo que Messi e M’Bappé, por exemplo, estão a fazer neste torneio, mas ele também tem de entender que, nesta altura precisa, para aí onze milhões de portugueses – entre eles os jogadores portugueses e o selecionador – se estão positivamente nas tintas para esse recorde bacoco que nem recorde é (Eusébio marcou os 9 golos num só Mundial, não em cinco) e para o seu egoísmo quase patológico. Querem é ganhar à Suíça, com ele ou sem ele. Ronaldo está zangado porque perdeu velocidade, capacidade de reação, reflexos, instinto matador? E então? Quantos de nós não gostaríamos de ter, por nossa parte, o viço dos seus 37 anos? Ora tubérculos! Resolva o assunto consigo próprio ou com Deus que, se tiver a decência de existir, deve querer uma camisola assinada por ele. Até para bem do seu futuro como homem.
Nunca passei um cheque em branco a esta seleção nem à excelência com que são rotulados alguns dos seus elementos. E já fui mais crítico de Fernando Santos quando me convenci que gente com Bernardo Silva, João Félix, Ruben Dias ou Bruno Fernandes poderiam, juntos, formar uma equipa capaz de ambicionar aos títulos mais importantes. Também por eles o tempo tem passado e, excetuando Félix, já não são nenhuns meninos. E ainda estão aí por cumprir, demasiado sobrevalorizados. Nenhum deles tem características de liderança (Bruno parecia ter) para assumir o comando da seleção, algo que Ronaldo, a propósito, também nunca fez – os seus gritos ouvem-se nos momentos em que se queixa por não lhe passarem a bola, não quando é necessário agregar o conjunto e tirá-lo de situações complicadas, como faziam aqueles que o antecederam, Figo ou Rui Costa, e mesmo Pauleta e Costinha, para citar quem ainda jogou a seu lado. Nunca senti que esta seleção tivesse capacidade e categoria para ir muito longe neste Mundial, e pode ser que me engane para satisfação de todos. Mas, hoje, tendo pela frente um adversário definitivamente inferior, possui tudo para se apresentar no dia 10 em Al Thumama, para disputar os quartos de final. Para mim seria o mínimo exigível. E, já agora, o máximo também. Lá está: desculpem a franqueza.