DOHA – Chegámos aos quartos de final deste Campeonato do Mundo das Arábias, já só sobram oito seleções em prova, ontem e hoje faz-se o habitual intervalo nos jogos, para tudo recomeçar na sexta-feira com a jornada dupla de Brasil-Croácia e Argentina-Holanda e, no sábado, o França-Inglaterra e o Portugal-Marrocos. Com muita pena minha, a partir de agora a FIFA não nos atribui, a nós jornalistas, sempre espetadores privilegiados das grandes competições, mais do que uma acreditação por dia. Houve que escolher, e como a escolha foi difícil. Brasil-Croácia ou Argentina-Holanda (larguem-me da mão mais os países baixos!); Portugal-Marrocos ou França-Inglaterra? Se o Argentina-Holanda me arrasta a memória para os jogos de 1974 e 1978, o França-Inglaterra é, como diz o meu bom amigo Nuno Miguel Guedes, um verdadeiro confronto civilizacional. Como calha no mesmo dia que o Portugal-Marrocos (à sua maneira também ele um confronto civilizacional que nos remete para as aventuras infantinas de Alcácer-Ceguer) vejo-me obrigado a dispensá-lo. Não há alternativa.
Olhamos para os oito que sobraram dos 32 que começaram: Marrocos é, inegavelmente, a surpresa. Não que Portugal tenha uma história brilhante em fases finais de Mundiais, que não tem, apenas um terceiro (1966) e um quarto lugares (2006), mas enfim, ainda há seis anos foi campeão da Europa, possui alguns jogadores de qualidade e deixa sempre um rasto de expectativa que justifica a sua presença mesmo que esta venha, depois, a redundar em desilusão. As seleções que, pelo que vi, e mantenho que ver ao vivo um jogo não tem comparação possível com o que podemos observar pela televisão, me parecem claramente de um nível superior são França e Brasil, por esta ordem, conjuntos que aliam a qualidade técnica a um impressionante arcaboiço físico. Da Argentina e da Espanha consegui perceber uma necessidade de superação individual mais do que de conjunto, com a diferença de que os argentinos contam com Messi e os espanhóis não puderam tirar proveito de um que fosse dos seus pequeninos e prometedores génios. Sendo, como é, a vice-campeã do mundo, a Croácia está aqui sem surpresa o que deixa para o encontro de Al Thumama, entre portugueses e marroquinos, o embate entre os parentes mais pobres do Mundial.
Marrocos. Absolutamente soberba a forma como Marrocos eliminou a Espanha num jogo decidido com recurso às grandes penalidades mas que teve oportunidades mais do que suficientes para que se evitasse esse destino.
Com cinco participações em fases finais de Campeonatos do Mundo, só por uma vez os Leões do Atlas, como são conhecidos, ultrapassaram a fase de grupos, precisamente no ano que que enfrentaram Portugal (1986) num jogo decisivo e no qual o empate servia para a qualificação de ambos. Depois de dois zero-a-zero com Polónia e Inglaterra, Marrocos ganhou-nos por 3-1 para cair, em seguida, aos pé da Alemanha (0-1). Essa vitória também ficou para a história por ter sido a primeira dos marroquinos em Mundiais – em 1970 perderam com a Alemanha (na altura Ocidental, 1-2), com o Peru (0-3), empatando com a Bulgária. Há quatro anos, jogaram igualmente com Portugal (0-1) e com Espanha (2-2) no Grupo B. Pelos vistos, os espanhóis não se puseram a fancos como se deveriam ter posto e foram de novo surpreendidos por um conjunto que surgiu no Qatar com uma alma de ferro, ganhando à Bélgica (2-0) e ao Canadá (2-1) e concedendo um empate à Croácia (0-0) no primeiro jogo.
Na madrugada de terça para quarta-feira em Doha, os adeptos marroquinos trataram de fazer os possíveis para rebentar com os tímpanos dos que por cá andam, recebendo um reforço de numerário bastante substancial porque tanto sauditas como tunisinos, já eliminados, adotaram a seleção comandada por Walid Regragui, como sua e juntaram-se alegremente aos festejos. O muezzin bem pôde cantar a sua reza das quatro e meia da manhã que apenas se ouviam buzinas de automóveis e gritos de satisfação. Os Leões do Atlas atacaram até nascer o sol.