AL-RAYAAN – Ao contrário do que foi dado a entender na fase em que cada um de nós que demandou o Qatar para estar presente, seja em que condição fosse, nesta fase final do Campeonato do Mundo, recebemos das autoridades qataris, e da plataforma Hayya – que, de alguma forma, procedeu ao controlo generalizado dos estrangeiros que viajaram até cá, monitorizando as nossas movimentações e controlando os documentos necessários – o teste da covid, sublinhado com carácter de obrigatoriedade deixou de o ser um mês antes do jogo de abertura. Fiz o meu, e paguei-o claro está!, meti-o no bolso do casaco e nunca mais o tirei. Não houve uma alma que prestasse atenção ao assunto porque nem sequer houve assunto. Mas, nos últimos dias, têm sido muitos os casos de infecções respiratórias que se espalham por todo o país e, principalmente, criando uma ligeira onda de incómodo que, assim como assim, não parece chegar ao caos generalizado.
Atacado por uma das minhas habituais sezões de malária à qual se seguiu uma tosse persistente e cavernosa, optei por novo teste que acabou por se revelar negativo. Mas fiquei a saber, pelo pessoal da clínica, que o número de testes covid aumentou significativamente na última semana. Por toda a cidade de Doha, as pessoas estão a ser atacadas por surtos de infecções respiratórias e a recorrer aos serviços competentes para perceberem o que se passa. Ressalva-se, obviamente, que isto não é matéria que preocupe a grande maioria dos imigrantes que vivem no fundo da cadeia alimentar, os mesmos que se juntam em grupos numerosos, de duas ou três dezenas, em frente aos estabelecimentos comerciais que colocam ecrãs de televisão virados para a rua, transmitindo em directo os jogos do Mundial – um foco infeccioso ambulante, por assim dizer. Já tinha sabido através do meu velho companheiro de muitos anos que aqui vive, Daffrallah Mouadhen, que os meios de comunicação qataris têm revelado, com a reserva habitual que rodeia uma situação destas (ainda por cima aqui, onde a imprensa é, tal e qual dizia Salazar, um alimento intelectual mas que, como todos os alimentos, deve ser vigiado), um surto infeccioso absolutamente invulgar e, mais estranhamente ainda, têm sido detectados vírus que não fazem parte do espectro habitual.
Propagação
Por todo o país os métodos de precaução são ignorados. Ninguém usa máscaras – tirando os habituais japoneses – e os locais onde estão instalados os recipientes de álcool-gel (há-os em todos os locais públicos) são pura e simplesmente ignorados. Ontem mesmo, e segundo informação oficial do Ministério da saúde do Qatar, surgiram 511 novos casos de covid, menos do que na véspera – 542 –, mas ainda assim um número que exige certa preocupação já que estamos a falar de um total de um número de testados que ronda os 700 mil (dos 2,9 milhões de habitante do país, a grande maioria passa pelos testes como cão em vinha vindimada pelo que os números oficiais não são fiáveis – é provável que haja bem mais do que 50 mil infectados – sendo que o total de casos oficialmente reportados desde Janeiro até este início de Dezembro foi 483 mil, com o ponto mais alto a ser precisamente o de Janeiro). Não é só o generalizado não-uso de máscaras que contribui para a propagação do vírus – e já agora, porque é a actualidade que interessa, depois de uma baixa muito significativa em Outubro, os casos desataram a subir desde o início do Mundial, apontando os números oficiais a que temos acesso, e é com eles que nos temos de desembrulhar, para uma média de 600 novos infectados por dia desde 18 de Novembro – mas também a gigantesca rede de ar-condicionado que foi montada por toda a parte. No Mundial que muitos ameaçaram ingenuamente vir a ser o de mais altas temperaturas de todos os tempos, só mesmo quem se deitar no deserto à chapada do sol meio-dia é que arrisca a um escaldão. Nos transportes, nos edifícios, nos estádios, o ar-condicionado atira-nos a todos para um frio embirrento e perigoso que nos faz chegar ao fim do dia com os ombros massacrados, com a garganta e o nariz completamente secos e muitas vezes com fases febris devidas à alteração das temperaturas – é mesmo estar a pedir uma dose de covid. Ninguém, pelos vistos, escapa, nem sequer o seleccionador nacional Fernando Santos, que também teve uma ligeira síndrome gripal que o levou a fazer o despiste do covid.
Os tubos da climatização estão a ser, portanto um meio de transporte preferencial para tudo quanto é vírus. As queixas são muitas e o recurso às clínicas aumentou consideravelmente. Os próximos dias irão provocar mais vítimas porque a curva é, neste momento, ascendente ainda que muita gente (leia-se adeptos) já tenha regressado a casa com a eliminação das suas selecções. Os números têm de ser lidos com cuidado porque a tal faixa enorme de imigrantes que vivem como cidadãos de terceira classe não ajuda a que sejam correctos. É certo que o Mundial contribuiu para uma reactivação do surto mas não é por causa dele, seguramente, que não chegará até ao fim. Até porque só falta uma semana. Já não há volta a dar.
Suíços queixam-se de vírus
Não se pode dizer que haja um surto no Mundial, mas o diretor desportivo da Suíça revelou que alguns jogadores foram atingidos por «um vírus que circulava no hotel, mas não era covid. Estávamos conscientes de que existia um vírus e fizemos recomendações à equipa» disse Pierluigi Tami. O Mundial está a gerar grande indignação na China. As imagens de aglomerações de pessoas sem máscara dentro e fora dos estádios estão a irritar os chineses, que têm de cumprir regras sanitárias muito apertadas. O canal televisivo CCTV transmite os jogos, mas sempre que há um golo as imagens de adeptos nas bancadas sem máscara são substituídas por imagens de jogadores e equipa técnica.