Semana dos 4 dias: revolução ou hipocrisia?

Trata se de uma medida revolucionária, mas com efeitos meramente temporários na motivação e produtividade, que voltará a baixar com o normal e natural efeito de habituação ao novo modelo.

Nuno Cerejeira Namora
Advogado Especialista em Direito do Trabalho

O Governo prometeu levar a cabo um amplo debate nacional e na concertação social sobre novas formas de gestão e equilíbrio dos tempos de trabalho, inclusive ponderando a aplicação da semana de 4 dias de trabalho. Curiosamente, no seu programa, o Governo inseriu esta promessa não no capítulo referente à melhoria das condições dos trabalhadores, mas no capítulo referente à natalidade, associando a semana de 4 dias às políticas públicas da natalidade e da conciliação entre a vida profissional e a familiar, na esperança de que essa conciliação, mais bem conseguida, possa criar condições para que as famílias tenham filhos, afastando o espetro que paira sobre a demografia do país.

Na literatura internacional sobre este tema, os argumentos a favor da semana de 4 dias de trabalho não são demográficos, mas sobretudo económicos, muitos deles relacionados com os incrementos de produtividade que esta organização do tempo de trabalho pode acarretar. De entre os contributos de economistas, destaca-se o livro de Pedro Gomes, Sexta-Feira é o Novo Sábado, que faz uma defesa séria, lúcida e bem desenvolvida da semana dos 4 dias, orientada por oito argumentos de ordem económica. À questão de saber porque devemos apoiar a semana de 4 dias, o autor responde assim: «Porque é possível; porque estimulará a economia através do consumo; porque aumentará a produtividade; porque desencadeará o potencial de um enorme reservatório de talento inovador; porque reduzirá o desemprego tecnológico; porque aumentará os salários e melhorará a vida dos ‘99 por cento’; porque dará às pessoas mais liberdade para escolherem de que modo querem passar o seu tempo; porque reconciliará uma sociedade polarizada».

À boleia do debate internacional que recrudesceu em 2018, o Governo apresentou recentemente na Concertação Social um projeto-piloto da semana de 4 dias de trabalho, projeto esse que tem como coordenador Pedro Gomes. Segundo o que já se sabe, a semana de trabalho reduzida começará a ser voluntariamente testada, por acordo entre empregadores e trabalhadores, em Junho de 2023, por um período de 6 meses.

Em relação a outros projetos-piloto desenvolvidos internacionalmente, com destaque para os apoiados pela ONG ‘4 Day Week Global’ em países como o Reino Unido, o Canadá ou a Austrália, a principal diferença da experiência portuguesa prende-se com a circunstância de a redução de um dia de trabalho não ser necessariamente sinónimo de que não se trabalharão as horas em causa. Ou seja, pode haver redução de um dia de trabalho com aumento da carga diária nos restantes quatro dias. O projeto-piloto prevê, a este respeito, que a redução do período normal de trabalho possa ser 8 horas (passando a ser de 32h/semana), 6 horas (34h/semana) ou somente de 4 horas (36h/semana).

Só que isto – ou seja, a concentração do período normal de trabalho (horário concentrado) – já está há muito tempo prevista no Código do Trabalho. A semana dos 4 dias de trabalho, se quer ter algum caráter inovador, e não passar de um logro, tem de implicar a redução de um dia de trabalho, mas sem aumento da carga diária, ou seja, sem redistribuição dessas horas pelos demais dias.

Há, todavia, um aspeto positivo e que obedece ao espírito da experiência: a participação no projeto-piloto não pode envolver para os trabalhadores qualquer perda de remuneração em função do número de horas deixadas de trabalhar, pelo que os salários serão valorizados, por via do aumento do valor remuneratório por hora. Porém, e ao contrário do que acontece noutros países (por exemplo, em Espanha), o Estado não vai compensar as empresas que adiram à experiência pelos custos acrescidos que venham a ter com a mão de obra.

Findo o projeto-piloto, abre-se um período de reflexão para as empresas, que poderão manter a semana de 4 dias, regressar aos 5 dias ou adotar um modelo híbrido. Está aqui em causa uma ideia de reversibilidade, de modo que os trabalhadores não vejam a semana dos 4 dias como um direito adquirido. Na verdade, na maioria dos países onde se tem experimentado este modelo, o terceiro dia de descanso surge configurado como um “prémio” de produtividade que é atribuído ao trabalhador e que pode ser retirado se este não cumprir os objetivos que lhe forem fixados.

Por resolver está, ainda, o problema de saber se todas as empresas que participem na experiência ficarão obrigadas a escolher o mesmo dia de descanso semanal. Segundo Pedro Gomes, só assim se evita a descoordenação nas economias e nas empresas em resultado do desfasamento de folgas por nunca estar presente uma equipa completa.

O saldo deste projeto-piloto parece-me, para já, evidente: é uma ideia tão bonita e inovadora, quanto perigosa e desigual, não estando ao alcance de grande parte do tecido empresarial constituído por pequenas e médias empresas.

Depois, e esta é a minha principal reserva, trata se de uma medida revolucionária, mas com efeitos meramente temporários na motivação e produtividade, que voltará a baixar com o normal e natural efeito de habituação ao novo modelo.

Finalmente, é um projeto-piloto marcado pela hipocrisia porque, querendo ser eleitoralista e populista, apenas pede esforços e sacrifícios ao setor privado sem qualquer compensação, insistindo na desconfiança face à iniciativa privada que, não raras vezes, anda à frente do Estado na busca das melhores soluções de mercado.