Mercenários russos da Wagner têm lançado sucessivos ataques sobre Bakhmut, uma pequena cidade que o Kremlin ainda tem esperança de conquistar. Os seus defensores, atolados em trincheiras geladas e enlameadas, sob brutal fogo de artilharia, receberam uma visita surpresa de Volodymyr Zelensky, esta terça-feira, distribuindo prémios às suas tropas, colocadas no ponto mais duro da linha da frente.
O Presidente ucraniano visitou posições avançadas de uma das brigadas mecanizadas que tentam impedir forças russas de cercar Bakhmut, anunciou no Facebook. Um dos objetivos do Kremlin em Bakhmut seria cortar uma rota essencial para o abastecimento de Sloviansk e Kramatorsk, as mais importantes cidades sob controlo da Ucrânia no Donbass. Os combates em torno desta cidade têm sido descritos como trazendo à memória a II Guerra Mundial, um autêntico “picador de carne”.
Por um lado, analistas apontam que a moral russa é baixa. Por outro, as tropas ucranianas combatem sabendo que os seus familiares enfrentam um inverno de escassez energética, dado os recorrentes bombardeamentos do Kremlin contra a infraestrutura elétrica da Ucrânia.
“Os heróis de Bakhmut deveriam ter o que qualquer pessoa tem. Tudo deveria estar ok para os seus filhos, para as suas famílias, deveriam estar quentes e saudáveis”, lamentou Zelensky durante a sua visita, em imagens divulgadas nas redes sociais e citadas pela BBC. “Desejava que tivessem luz, mas é uma situação tão difícil que às vezes há luz e depois não há”.
Enquanto as forças russas tornam a vida dos civis ucranianos num inferno, com recurso a mísseis de longo alcance e drones baratos iranianos, estão na defensiva em quase todos os pontos da linha da frente. Têm-se dedicado a fortificar a margem leste do Dnipro na região de Kherson, recuando a sua artilharia, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra. Ao mesmo tempo que concentram forças em Melitopol, como quem espera um ataque, colocando nas ruas dentes de dragão, ou seja, obstáculos piramidais desenhados para travar blindados, tendo o próprio Vladimir Putin admitido esta terça-feira que a situação estava “muito complicada” nas quatro regiões ocupadas. Só nos arredores de Bakhmut os russas continuam a avançar, lentamente e com enormes perdas de ambos os lados.
Para o Kremlim, uma vitória em Bakhmut traria alguns ganhos reputacionais, mas pouco mais, apontam analistas. A ofensiva contra a cidade já se arrasta há mais de cinco meses, dando às forças ucranianas imenso tempo para construir linhas defensivas. Na altura em que este ataque começou, parecia estar desenhado como um movimento de pinça, combinado com uma ofensiva a norte, a partir de Izyum, para cercar tropas ucranianas naquilo a que os comandantes russos chamam de “caldeirão”. Desde então, até Izyum foi reconquistado pela Ucrânia, num contra-ataque a sudeste de Kharkiv.
“Se Bakhmut tivesse sido reconquistado quando eles começaram o seu ataque, em agosto, aí teria sido significativo”, salientou Konrad Muzyka, um analista militar polaco, à Reuters. “É tudo uma questão de ímpeto”.
Contudo, a conquista da cidade tornou-se uma prioridade do Kremlin. Talvez porque as operação neste ponto da linha da frente ficaram nas mãos do chefe da Wagner, Yevgeny Prigozhin, segundo serviços de inteligência da NATO. E este está ansioso por provar que os seus mercenários são mais capazes que os militares, de maneira a reforçar a sua ascensão política
O próprio comandante das forças russas na Ucrânia, Sergei Surovikin, fora recomendado por Prigozhin, que o tem elogiado profusamente. Sob a liderança de Surovikin, os russos alteraram as suas táticas, deixando de recorrer apenas a bombardeamentos massivos – algo lento, ficando os militares limitados pela logística da artilharia – e apostando em assaltos com pequenos destacamentos de infantaria.
Isso é algo que faz render a brutalidade dos condenados que a Wagner têm recrutado nas prisões e das milícias separatistas sob o seu comando, bem como o grande número de recrutas à força que inundam a linha da frente. Os mercenários mais experimentados da Wagner ficam na retaguarda, só avançam como tropa de choque – algo a que militares russos se referem nas suas comunicações intercetadas como “mandar os músicos”, avançou o Guardian – e deixam o trabalho sujo para os novatos.
É uma tática que tem custos humanos pesados. No entanto, evitar isso “nunca foi a principal prioridade da Rússia”, salientou o general Oleskandr Syrsky, o número dois das forças armadas ucranianas, numa entrevista ao Economist.