Quando pensamos em casa, é natural que sejamos transportados até um lugar seguro, de conforto, amor e harmonia. Claro que isso não invalida que nesse espaço não existam desequilíbrios, desavenças e problemas por resolver. Vivemo-lo cada um à sua maneira. A grande diferença é que, enquanto uns não precisam de estar preocupados com a imagem que passam fora das quatro paredes, para outros, essa é uma grande questão que acaba por mexer com muito mais do que os próprios membros da família.
O caso mais gritante leva-nos até à família real britânica. Não é novidade para ninguém que as portas do Palácio de Buckingham sempre esconderam segredos obscuros que, graças aos duques de Sussex, Harry e Meghan, têm sido agora revelados (apesar de não se saber ao certo aquilo que é verdade e que é mentira).
Numa altura em que ainda vivem um momento de luto pela morte da matriarca da família, Isabel II, que morreu aos 96 anos no dia 8 de setembro, o casal continua a colocar a nu a complexidade daqueles que com eles partilharam o espaço, antes de serem afastados da coroa.
«Ninguém sabe toda a verdade. Só nós sabemos», afirmam os duques de Sussex na nova minissérie da Netflix, intitulada ‘Harry & Meghan’, que, além de já ter quebrado inúmeros recordes na plataforma de streaming, tem, segundo alguns, transformado o casal em personas non gratas no Reino Unido – a produção conta o começo da relação do príncipe Harry e de Meghan Markle e os motivos que os levaram a abandonar a família britânica, como a pressão da família, a intrusão dos media e o racismo.
Dividida em seis partes, realizada por Liz Garbus, duas vezes indicada ao Óscar e vencedora de um Emmy, a série em documentário promete analisar a vida do casal «desde os primeiros dias do namoro até aos desafios e controvérsias que os levaram a sentirem-se forçados a afastarem-se das suas funções em tempo integral na Instituição». Factos que, tal como é revelado, «os membros da família real não quiseram comentar». Fontes do palácio real, citadas pelo jornal Daily Mail, asseguraram no fim de semana que os monarcas estão «um pouco fartos» dos constantes ataques. E, ao que parece, o lançamento da produção foi «a gota de água», já que Harry e Meghan não receberam convite para a festa de Natal organizada pelo rei Carlos III e pela rainha consorte, Camilla Parker, de acordo com o jornal The Mirror. Segundo a mesma publicação, esta será a primeira celebração de final de ano após a morte da rainha Isabel II. Também será a maior festa organizada pela família real desde o início da pandemia em Sandringham House.
As primeiras revelações
«Não tínhamos permissão para contar a nossa história porque eles não queriam», afirma a ex-atriz americana, de 41 anos, num dos três primeiros episódios da série. Ambos explicam como todas as suas declarações e comportamentos, desde a primeira entrevista conjunta em 27 de novembro de 2017, após o anúncio do noivado, foram «um reality show orquestrado» pelo palácio.
Os primeiros três episódios da série contam a história de amor entre o príncipe e a atriz, até à véspera do seu casamento, em maio de 2018, com detalhes que nos transportam até um filme romântico e moderno de Hollywood. Por exemplo, o casal conheceu-se no Instagram: «Estava a ver o meu feed e uma amiga minha tinha publicado um vídeo delas as duas, tipo um Snapchat, e pensei: ‘Quem é esta?’», começa por explicar o príncipe. Segundo o mesmo, essa amiga acabou por enviar um email a Meghan, onde escreveu que «tinha um amigo que ela ia gostar de conhecer». Ao perguntar quem era esse amigo e ouvindo o nome «Príncipe Haz», Meghan não reconheceu. Resolveu, por isso, explorar o seu Instagram, percebendo que ambos tinham bastantes paixões em comum. Os dois trocaram contactos, marcando tempos mais tarde, em Londres, um primeiro encontro: «Ele era tão divertido. Uma lufada de ar fresco. Parecíamos duas crianças juntas», confessa a duquesa. No dia seguinte, acabaram por jantar no mesmo lugar em que se haviam encontrado e foi nesse momento que Harry percebeu que estava diante da mulher «que sempre procurou».
Ainda nessa primeira parte do documentário, o casal conta que, no princípio, Meghan causou boa impressão na família real. Isso não foi, porém, suficiente para que os mesmos acreditassem na longevidade da relação, sobretudo por Meghan ser atriz. «Para muita gente na minha família, principalmente os homens, pode haver a tentação, ou um desejo, de casar com alguém que encaixe no molde, em vez de ser com alguém com quem estamos destinados a estar. É a diferença entre tomar decisões com a cabeça ou com o coração. A minha mãe decidia quase tudo, se não tudo, com o coração. E eu saio a ela», sublinhou Harry, reconhecendo semelhanças entre Meghan e a princesa Diana. «Tem a mesma compaixão, a mesma empatia, a mesma confiança. Ela é muito afetuosa. Aceito que há pessoas em todo o mundo que não concordam nada com o que eu fiz e como o fiz, mas sabia que tinha que fazer tudo o que pudesse para proteger a minha família. Sobretudo após o que aconteceu com a minha mãe. Não queria que a história se repetisse». E, por isso, durante algum tempo, manteve o seu amor em secretismo e à distância, através de videochamadas.
Além disso, o duque de Sussex critica o assédio dos paparazzi, recordando aquela que foi uma infância marcada pelo luto e pela perseguição dos media, «responsáveis pela morte da sua mãe». São recordados ainda os comentários dos meios de comunicação sobre as origens raciais de Meghan (os produtores optaram por incluir segmentos de contexto histórico do país e da exploração das suas ex-colónias).
Meghan adianta ainda o choque que teve com a formalidade que a família real mantém mesmo em momentos de intimidade.
O afastamento da família
Os três episódios seguintes, que entraram na plataforma no dia 15 de dezembro, são vistos como os «mais nocivos para a família real», já que detalham os motivos que levaram o casal ao abandono da monarquia, em 2020, para viver na Califórnia.
«Não me atiraram apenas aos lobos, usaram-me para alimentá-los», diz Meghan Markle no trailer da segunda parte do documentário. «Eles não se importavam de mentir para proteger o meu irmão, mas não estavam dispostos a dizer a verdade para nos proteger», acrescenta Harry, de 38 anos, referindo-se a William, o novo príncipe de Gales, com 40. «Eu pergunto-me: ‘O que teria acontecido se não tivéssemos saído quando saímos?’», interroga Harry. Ao que Meghan acrescenta: «Eles nunca estiveram dispostos a dizer a verdade para nos proteger, todos no mundo sabiam onde estávamos».
No quarto episódio de Harry & Meghan, é revelado que o stress causado pelos media , depois do casamento do casal, fez com que Meghan pensasse em suicídio. O príncipe Harry admite que nunca soube que o estado mental da sua esposa se estava a deteriorar dessa maneira. A ex-atriz também afirmou no episódio que pediu ajuda à família real, que não a auxiliou, porque «estavam preocupados com a impressão que isso daria», como já havia confessado na entrevista a Oprah Winfrey.
Além de lutar contra os pensamentos de automutilação, Meghan também revelou que o casal foi inundado com ameaças de morte devido ao relacionamento. A maioria das ameaças foi dirigida à duquesa.
E as coisas pioraram com o nascimento do seu filho Archie. Tanto Meghan quanto Harry expressaram o desejo de manter o nascimento do bebé distante dos holofotes, o que acabou por irritar muitos meios de comunicação.
Tradicionalmente os bebés nascidos na família real têm uma sessão de fotografias realizada imediatamente após o nascimento. Porém, o casal decidiu contrariar a tendência – muitas publicações a afirmaram que Harry e Meghan eram egoístas. Além dessa reação, Harry mencionou que a família foi alvo de muitos comentários racistas (muitos descreveram o bebé como um macaco).
As queixas de Harry
O príncipe Harry faz duras acusações aos gabinetes de comunicação dos diferentes membros da casa Real. O duque de Sussex explica que «se uma equipa quiser abafar algo sobre o membro da família que serve, vai negociar e oferecer informações sobre outros membros»: «Os gabinetes trabalham uns contra os outros e há fuga deliberada de informação», acrescentou. O príncipe conta que, depois dele e o irmão verem o que acontecia no gabinete do pai, fizeram um acordo em como nunca deixariam que assim acontecesse no seu gabinete.
Porém, ao que parece, nem mesmo a relação entre irmãos sobreviveu: «Foi assustador assistir ao meu irmão a gritar comigo, o meu pai a dizer mentiras e a minha avó ali sentada sem dizer nada e a processar tudo», revelou Harry sobre os bastidores da reunião da família real depois do anúncio de que se iria afastar dos deveres reais. Depois de ter sido informado de que a rainha, afinal, não o podia receber para uma reunião, o príncipe encontrou-se com o irmão – o príncipe William -, o pai – o então príncipe, mas agora rei Carlos – e a avó – a rainha Isabel II – com o objetivo de chegarem a um acordo sobre o afastamento de Harry e Meghan da família real.
Saída essa que, segundo o duque, não foi precipitada por Meghan – como a imprensa britânica alega -, mas sim pela própria família real, ou «instituição», tal como lhe chama.
Infelizmente e de acordo com o mesmo, a família não conseguiu chegar a um acordo e a reunião acabou com Harry e William «de costas voltadas» e com um comunicado conjunto com o qual o duque «não concordou»: «A pior parte foi a divisão que isto criou entre mim e o meu irmão ao ponto de ele estar do lado da instituição. E eu percebo, em parte», admite, acrescentando ainda que ninguém lhe «pediu autorização para meter o nome no comunicado conjunto».
O resultado do acordo entre Harry e Meghan com a Netflix é avaliado em cerca de 100 milhões de dólares (94 milhões de euros) e, logo após a sua estreia, com a disponibilização dos três primeiros episódios, quebrou recordes: os números das primeiras 24 horas dizem que foi a estreia mais vista de sempre da plataforma, superando a série ‘The Crown’ que conta a história do reinado de Isabel II e já vai na quinta temporada.
Novo projeto
Depois do seu primeiro documentário na Netflix se ter tornado um dos mais populares da história do serviço de streaming, os duques de Sussex preparam-se para lançar mais um projeto, com estreia marcada para dia 31 de dezembro.
A nova série documental chama-se ‘Live to Lead’ e é focada em liderança, nomeadamente em personalidades como Ruth Bader Ginsburg (juíza do Supremo Tribunal dos EUA), Greta Thunberg (ativista ambiental), Gloria Steinem (ativista dos direitos das mulheres), entre muitos outros.
O príncipe Harry surge no primeiro trailer do documentário, referindo que este foi inspirado no primeiro presidente negro da África do Sul, Nelson Mandela. «O que conta na vida não é o mero facto de que vivemos, é a diferença que fizemos na vida dos outros que determinará o significado da vida que levamos», afirmam Harry e Meghan, citando Mandela.