De volta ao Natal

No fim das contas, a data serve para celebrar o Amor e a Família, mas também para que as mágoas aflorem e as cobranças e indiretas estejam à flor da pele.

Querida avó,

Não posso dar início à azáfama que são os preparativos para a ceia de natal sem antes escrever-te esta carta.      

Tu, que celebras oito décadas no próximo ano, deves ter memórias de natais completamente diferentes uns dos outros.

Em criança, em jovem, depois de teres conhecido o avô Mário, o primeiro natal depois de seres mãe, o natal depois de seres avó…

Hoje, tens uma ceia de natal completamente diferente das que foste tendo ao longo da vida.

A época natalícia é um sonho para muitos. Mas um pesadelo para outros tantos. Já imaginaste o tormento que é, para quem organiza a Ceia de Natal, juntar pessoas que não se toleram, sentá-las o mais longe possível para que a faca de trinchar o peru não tenha outro tipo de uso… pensar no que cada um gosta de comer, correndo o risco de não agradar a todos… Uma canseira!

Regra geral as avós ficam ao comando do fogão (o que não me parece que seja o teu caso). Os adolescentes acham tudo uma “seca”. Preferem estar nas redes sociais do que a conviver com os primos que só veem uma vez por ano. Os mais novos só querem abrir os presentes. Muitos, antes da meia-noite, já estão a dormir ou com uma birra que ninguém aguenta.

No fim das contas, a data serve para celebrar o Amor e a Família, mas também para que as mágoas aflorem e as cobranças e indiretas estejam à flor da pele.

Para mim a época natalícia só começa depois de ver os espetáculos dos Shout! (e ouvir o CD vezes sem conta), e depois de assistir ao “White Christmas”, dos irmãos Feist, no Casino Estoril.

Uma das minhas tradições de Natal é, no dia 25, à noite, ir ao Casino Lisboa celebrar a data com o concerto dos Gospel Collective, adoro!

A conversa está muito boa mas tenho que ir. Caso contraio ainda arrisco passar a noite de consoada a escrever-te.

Feliz Natal querida avó.

Bjs

Querido neto,                                                                                   

Até à chegada dos meus netos, passei natais muito diferentes.             

 Em miúda, era a altura em que chegavam os meus tios da província para irem às revistas do Parque Mayer engatar as coristas.

Para mim era ótimo, eu ficava sozinha em casa, deitava-me só quando ouvia o barulho do elevador e fingia muito bem que estava a dormir há que tempos.

Os natais dos meus filhos caíram já naquela época do Prec – dos “operários do Natal“ (“É um irmão nosso que trabalha no Natal/ E com suas mãos faz a diferença do Natal…”) etc…

Lembro-me de um desenho animado desse tempo, em que estão muitos pintainhos com bolas de Natal nas mãos e avistam um outro a chegar, sozinho. E um deles pergunta «Amiguinho, vens da clandestinidade?». A especialidade da minha filha era recortar fitas de papel escrever lá qualquer coisa e pô-las nas mãos de pastores como cartazes das manifestações. Lembro-me de um que dizia «Nem mais um pastorinho para as colónias!».

De qualquer modo foi a partir daí que comecei a colecionar presépios. Com os meus netos chegou a maluqueira completa…Eles só podiam mexer num dos presépios, e aí podiam fazer o que queriam… O meu neto Diogo que, nessa altura, queria ser médico, punha sempre um avião do INEM em cima da gruta porque o Menino podia precisar de alguma coisa…Na mesma manjedoura dormiam o Menino Jesus e o Pai Natal; diante da gruta estava um fotógrafo daqueles a lá minute a tirar fotografias. Depois há o lado dos “bons “ e o lado dos “maus”. Entre os bons estavam, para lá dos pastores, criadas muito bem fardadas, mulheres a fazerem doces, polícias a comandarem o trânsito, enfermeiras, etc.; entre os maus, para lá de uma data de romanos, estava o Darth Vader, o Lobo do Capuchinho Vermelho, etc.

Fiquei triste quando eles cresceram e deixaram de fazer estas maluquices.

Pode ser que um dia os meus bisnetos se lembrem de reativar a tradição.

Feliz Natal querido neto.

Bjs